São Paulo – A escritora e psicanalista Betty Milan, neta de libaneses, lançou nesta terça-feira (18) o seu novo romance, Baal, no qual trata do tema da imigração. Betty é autora do best-seller “Paris não acaba nunca” e tem os direitos de dois livros vendidos para o cinema. Na obra publicada agora, Betty narra a história pela voz de Omar, homem do Oriente Médio que se mudou para o Brasil fugindo de uma guerra.
O personagem Omar enfrentou preconceito e dificuldades como imigrante e mascate, mas conseguiu enriquecer. O nome do palacete que Omar construiu para a filha Aixa, Baal, dá nome ao livro. Quando ele morre, no entanto, a família e o palácio começam a ruir. Aixa é transferida pelos netos para um cubículo com a empregada e o cachorro. O narrador Omar percebe que foi omisso e se arrepende por não ter transformado a filha mulher em sucessora.
Betty Milan traz muito da própria história pessoal nos seus livros. Em entrevista à ANBA por e-mail, ela contou que a inspiração de Baal veio da demolição do palacete construído por seus avós libaneses no bairro Bela Vista, em São Paulo. “Era como digo no romance, ‘uma joia do Oriente no Ocidente’. Nele, a minha avó acolheu muitos imigrantes’”, diz. O palacete deveria ser transformado em memorial da imigração, mas foi demolido.
A escritora não especifica um país de origem para Omar no livro justamente para falar do drama de todos os imigrantes. “Como ele, os outros são obrigados a se tornarem os salvadores de si mesmos para não morrer. Como ele, são vítimas da xenofobia, ou seja, do medo do estrangeiro”, afirma. Outro romance famoso de Betty, “O Papagaio e o Doutor”, também aborda a diáspora e o preconceito com o imigrante.
Irmã de outra artista e figura pública, Denise Milan, a família materna de Betty veio das regiões de Zahle e Baalbeck, no Líbano, e a paterna do vilarejo de Monte Líbano. Assim como o personagem Omar, de Baal, eles começaram a vida como mascates e foram muito bem-sucedidos. Betty estudou Medicina, mas se dedicou à psicanálise – inclusive com análise e trabalho feitos com Jacques Lacan na França – e à escrita, em jornais e na literatura.
Nas obras publicadas há muitas referências, diretas e indiretas, à família árabe da autora. No biográfico “Carta ao filho”, Betty conta sobre a observação da avó paterna fazendo pão árabe, sobre a tia que dançava dabke e a fazia pensar em Saraghina do filme “Oito e Meio”, de Federico Fellini, e as histórias que ouvia na família. No mesmo livro transparece a admiração pela mãe, que ficou à frente da família depois que o pai morreu, quando Betty era bem jovem.
Betty conheceu o Líbano aos 14 anos, levada pelos pais e voltou neste ano para participar da Lebanese Diaspora Energy, uma conferência promovida no país para reunir libaneses e descendentes que vivem em outras partes do mundo. A escritora visitou os principais pontos turísticos e conta que a viagem foi uma experiência extraordinária.
“O Líbano é uma joia, patrimônio da humanidade, mas a situação atual é difícil. Além da guerra na Síria e a da presença dos refugiados, existem problemas ecológicos seríssimos. Acho que a próxima conferência da diáspora deveria focalizar a ecologia”, fala Betty. Na conferência deste ano ela foi homenageada pela colaboração e compromisso com a terra natal da família. A iniciativa foi do cônsul geral do Líbano em São Paulo, Rudy El Azzi.
Ao falar à ANBA sobre seu gosto por narrar, a escritora conta sobre o avô, que ela chama de um grande contador de histórias. “Contava em árabe e português”, afirma. No romance Baal também estão os contadores de histórias, chamados “hakawatis”. “O melhor amigo de Omar, o protagonista, Uad, era um contador que falava de Sindbad o Marinheiro, uma espécie de patrono do romance. Como os mascates, Sindbad viajava para negociar”, relata Betty.
Se a narração de Baal têm muita ligação com a origem árabe de Betty Milan, o livro “Carta ao filho” também tem. Trata-se de uma carta que a autora escreveu para o filho, o cineasta Mathias Mangin, que teve com o marido francês Alan Mangin, já falecido. Dirigido ao filho, o livro conta a vida da escritora, incluindo seus questionamentos pessoais ligados à origem, como o fato de ser primogênita e mulher em uma família árabe.
“Conto a história real dos avós paternos, que são originários de um vilarejo no Monte Líbano, de onde eles imigraram há mais de cem anos. Estive lá e tive uma grande emoção porque as paredes de pedra da casa foram preservadas pelos descendentes e porque eu vi a montanha que eles desceram para chegaram até o mar. Os imigrantes são verdadeiros heróis e devem ser tratados como tais”, diz.
No livro “O Papagaio e o Doutor” também há referências à família da escritora. A obra é inspirada na análise que Betty fez com Lacan. No romance, Lacan é o ancestral imaginário da protagonista e ela só consegue se separar dele evocando a história dos ancestrais libaneses. “No Papagaio, eu focalizei sobretudo a família paterna e, em Baal, a materna”, conta. Os direitos de “O Papagaio e o Doutor” foram comprados para o cinema nos Estados Unidos. O livro “A Mãe eterna”, de Betty Milan, teve os direitos comprados para o cinema no Brasil.
O livro “O Papagaio e o Doutor” foi publicado em francês, espanhol e inglês, além do original em português. “Mãe eterna” foi traduzida para o português de Portugal e para o espanhol, e o best-seller “Paris não acaba nunca” tem versão em francês, inglês e chinês. “Agora falta traduzir os romances sobre a diáspora para o árabe”, diz Betty.
A escritora acredita que, traduzidas ao árabe, as obras poderiam contribuir para que os habitantes do Oriente Médio conheçam mais o drama da imigração, decorrente sobretudo da guerra. “Os romances podem ter um efeito pacificador, além de liberar as mulheres. Os dois livros se prestam a isso”, diz Betty sobre “O Papagaio e o Doutor” e “Baal”.
Betty Milan não atende mais em como analista, mas fala como psicanalista em congressos e encontros no Brasil e exterior. Ela conta que pretende se dedicar sobretudo à literatura e ao teatro daqui para a frente. Betty é autora de sete textos para o teatro e uma das suas peças, “Adeus Lacan”, vai estrear no Teatro Eva Herz, em São Paulo, em setembro, com os atores Ricardo Bittencourt e Bianca Bin.
A escritora é casada com Jean Sarzana, também escritor. Ele viajou com ela para o Líbano neste ano. O filho de Betty Milan, Mathias Mangin, teve um dos seus filmes, “Horácio”, lançado recentemente no Brasil. Mangin é diretor de outros títulos no cinema, entre eles “Dona Rosa”, feito com base na história da avó, também motivo de inspiração para Betty. “Não teria feito nada do que fiz sem o apoio da minha mãe”, afirma.
Ficha técnica:
Baal
Editora: Record
Assunto: romance brasileiro
Preço: 49,90
ISBN: 978-85-01-11635-2
Edição: 1ª edição, 2019
Páginas: 224