São Paulo – A Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos lançou neste mês o que classificou como “a única narrativa conhecida em árabe de uma pessoa escravizada nos Estados Unidos”. O texto é a autobiografia de Omar Ibn Said, um homem rico e altamente educado que, em 1807, foi capturado na África Ocidental e levado aos EUA como um escravo. Ele escreveu uma autobiografia de 15 páginas descrevendo suas experiências.
A obra foi disponibilizada on-line pela primeira vez. Para a instituição, esse manuscrito é importante não só porque conta a história pessoal de uma pessoa escravizada, mas também porque é um documento sobre o começo da história do Islã e dos muçulmanos nos Estados Unidos. “Essa coleção será uma ferramenta insubstituível para a pesquisa sobre a África nos séculos XVIII e XIX, e lançará luz sobre a história da escravidão americana”, afirmou a bibliotecária do Congresso, Carla Hayden, em comunicado.
“Essa coleção rara é extremamente importante porque a autobiografia de Omar Ibn Said é a única existente escrita em árabe por um escravo na América”, disse Mary-Jane Deeb, chefe da Divisão Africana e do Oriente Médio da Biblioteca do Congresso, segundo a nota da biblioteca. “O significado disso está no fato de que tal biografia não foi editada pela pessoa que tinha propriedade sobre Said, como as dos outros escravos escritas em inglês, e é, portanto, mais franca e mais autêntica”, explicou.
Segundo Deeb, a documentação é importante também porque atesta o alto nível de educação e a longa tradição de uma cultura escrita que existia na África na época. “Isso também revela que muitos africanos que foram trazidos para os Estados Unidos como escravos eram seguidores do Islã, uma religião abraâmica e monoteísta. Tal documentação contraria suposições prévias da vida e cultura africanas”, pontuou.
Omar Ibn Said
De acordo com a biblioteca, a autobiografia e artigos escritos sobre Omar Ibn Said na imprensa americana enquanto ainda estava vivo, ele era um membro do grupo étnico Fula da África Ocidental, que hoje conta com mais de 40 milhões de pessoas na região que se estende do Senegal à Nigéria.
Filho de um pai rico, passou mais de 25 anos como estudioso muçulmano na África Ocidental. Em sua autobiografia, Said escreve que, à medida que cresceu, ele “continuou buscando conhecimento por vinte e cinco anos”. A vida de Said mudou completamente quando, aos 37 anos, homens armados invadiram sua casa, mataram muitas pessoas, e o capturaram para vender como escravo.
Capturado, ele foi vendido para um homem que o levou “para o grande Navio no grande Mar” e chegou em Charleston, Carolina do Sul, onde ele foi comprado por um homem chamado Johnson que, relata, era cruel com ele. Said chegou a fugir, mas foi capturado e preso em Fayetteville, Carolina do Norte, onde passou 16 dias. Nesse período, ele relata que começou a escrever em árabe nas paredes de sua prisão, onde foi descoberto e levado para a casa de Jim Owen e seu irmão John Owen, o governador da Carolina do Norte (1828-1830). Ele se converteu ao cristianismo e permaneceu servindo os Owen até sua morte, com quase 90 anos de idade. A escravidão só foi abolida nos Estados Unidos em 1863.