São Paulo – O Sudão foi objeto de estudo de cientistas que buscam entender como se desenrola o processo de desertificação. Ricardo Martinez Garcia, hoje professor no Instituto de Física Teórica da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e pesquisador associado ao ICTP-SAIFR, é um dos pesquisadores do estudo iniciado por Michiel P. Veldhuis, da Universidade de Leiden, Holanda, e publicado na revista científica Ecography. Agora na Unesp, Garcia segue trabalhando em tópicos similares. O ICTP-SAIFR é o braço sul-americano de um centro internacional de física.
O objetivo do trabalho é testar de forma mais empírica um modelo teórico que relaciona a formação de padrões de vegetação em ecossistemas áridos com questões como a falta de recurso hídrico e a saúde ambiental local. A teoria dizia que regiões apresentavam um padrão durante o processo de desertificação. Primeiro, com ‘buracos’ em meio à vegetação, depois com um ‘labirinto’ com mais espaços de solo entre as plantas e, por fim, com a vegetação sendo formada apenas em determinados ‘pontos’.
O Sudão foi escolhido em um estudo anterior, de Vincent Deblauwe, para a primeira etapa do trabalho, que contou com uma classificação dos padrões no país árabe. Já nesse novo estudo, a análise feita por Veldhuis foi baseada em monitoramento remoto. As regiões analisadas no estudo são próximas a localidades como El Muglad, El Fula, e Babanusa.
Equações no meio ambiente
A linha de pesquisa usa recursos como as equações para conseguir analisar o meio ambiente. “Desenvolvemos modelos matemáticos, baseados nas ferramentas da física e traduzimos eles para explicar sistemas ambientais”, apontou Garcia.
Nessa etapa, um algoritmo de computador usa dados como a precipitação da chuva e a vegetação nesse determinado ambiente para analisar as formas do padrão criadas. “Descrevemos esses processos com equações e depois a pergunta é, se esses são os processos importantes, o que vai acontecer daqui a 200 anos? Sempre mantemos a conversa entre modelos matemáticos teóricos e análise de dados reais para confirmar se estamos indo pelo caminho, se não correto, o menos errado”.
Para confirmar a matemática, entram as imagens de satélite. Com a biblioteca que criou com imagens de como as vegetações estão distribuídas nessa região do Sudão e um algoritmo de computador, Veldhuis conseguiu classificar a forma desse padrão. “E ele achou que a forma do padrão muda do mesmo jeito que o modelo prediz. Então, região menos úmida tem padrão de pontos e regiões mais úmidas têm padrão de buracos”, exemplificou o professor da Unesp.
Como o processo de desertificação leva um tempo muito longo para acontecer, a saída dos pesquisadores foi usar imagens de diferentes regiões. A faixa territorial escolhida no Sudão inclui localidades mais úmidas e outras mais secas. “O que fazemos é acompanhar um gradiente de precipitação de norte a sul. Então, ao invés de olhar em uma janela temporal, você olha para uma janela espacial. Evidentemente tem limitações, mas é uma forma de resolver”, disse.
Tendo confirmado o modelo dos padrões na vegetação, o pesquisador partiu para verificar se as mudanças na vegetação são realmente em decorrência de questões climáticas. Para isso, outra ferramenta usada pelo cientista foi o sensoriamento remoto, que usa dados para mostrar o nível de vegetação em cada espaço e consegue analisar períodos mais curtos, como meses de mais chuva e meses de seca em uma mesma região.
Com isso, eles conseguiram traçar uma série temporal com o nível de vegetação ao longo do tempo. “O que fizemos nesse trabalho foi analisar essas séries temporais para ver como à medida que você vai mudando a forma do padrão a saúde do ecossistema vai piorando, indicando que, de fato, essa mudança vai acompanhada de uma aproximação de possível desertificação dessa região”, explicou ele sobre uma das conclusões gerais do estudo.
América do Sul
Agora, o objetivo do cientista é produzir conteúdo sobre regiões áridas no Brasil e América do Sul. “A biodiversidade sempre está muito mais monitorada na Europa e América do Norte do que na América do Sul e África. O Sudão, hoje, está muito bem monitorado, mas aqui na América do Sul não tem um lugar onde podemos atestar todas essas hipóteses. Estamos fazendo uma procura no âmbito maior para depois focar [em um local]”, explicou o professor.
Para ele, uma peculiaridade do Sudão é que as áreas estudadas não sofreram muita influência do ser humano. Já no Brasil, uma das possibilidades é analisar locais ocupados para entender como a vegetação interage com os recursos como o clima, e ainda com a intervenção humana.
Por aqui, Garcia conta com colaboradores estrangeiros e alunos do Brasil de pós-graduação e pós-doutorado. A ideia dele é conseguir abranger tanto análises macro, como as que usam imagens de satélite, quanto as micro, através de pesquisas em laboratórios.