São Paulo – O primeiro setor do desfile da escola de samba paulista Vai-Vai no carnaval 2019 trará a temática do Egito, contando a história da dinastia Núbia ou Kushita, de faraós negros originários de Kush, atual Sudão, que reinaram no Egito por cerca de 100 anos no século 8º a.C., e seu legado na agricultura, arquitetura e escrita.
Por isso, o galpão da escola, onde estão sendo construídos os carros alegóricos e costuradas as fantasias, recebeu a visita do arqueólogo egípcio Zahi Hawass, do embaixador do Egito em Brasília, Alaa Roushdy, e do cônsul comercial do Egito em São Paulo, Mohamed Elkhatib, nesta terça-feira (18). A comitiva foi recebida pelo presidente da Vai-Vai, Darly Silva, pelos diretores Renato Candido e Pedro Henrique, pelo compositor Marcelo Casa Nossa e pelo carnavalesco Roberto Monteiros.
O enredo da Vai-Vai, “Quilombo do Futuro”, celebra o afrofuturismo e a negritude das raízes da escola, fundada em 1930 no bairro do Bixiga, em São Paulo, onde já existiu um quilombo. Monteiros informou que o enredo se assenta no conceito afrofuturista. “Se trata de uma ficção histórica que busca revelar o passado embranquecido pela narrativa eurocêntrica, ocupar o presente e projetar o futuro, a partir de conceitos da década de 1970, com um movimento que já vinha desde a década de 1930 que percebeu que os negros não eram retratados nos livros de ficção científica, e então iniciou-se o movimento”, explicou.
A ideia é mostrar o protagonismo do povo negro ao longo da civilização humana, começando pelo Egito. A ala Hórus terá um carro de 16 metros de altura e 80 metros de comprimento, e mais seis alas, a ala da comunidade, com 100 pessoas, mestre-sala e porta-bandeira, cerca de 80 baianas vestidas de Candaces (dinastia de rainhas guerreiras), e mais 60 pessoas desfilando, todas com fantasias inspiradas no Egito.
Estão representados nas alegorias alguns deuses egípcios como Hórus (deus solar), Anúbis (deus dos mortos), Ápis (deus da agricultura) e Ísis (deusa do amor e da magia), e animais emblemáticos como a serpente, o cachorro, o leão e a águia, além de faraós, sarcófagos e esfinges, símbolos da cultura milenar egípcia. “Com esse enredo, estamos contando a história que os livros não contam – que os negros não são herdeiros de escravos, mas de reis e rainhas”, disse Renato Candido.
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“Podemos fazer um paralelo entre Hórus, deus de abertura solar egípcio, com Exu, orixá das religiões de matriz africana”, analisou Monteiros, que fez uma relação também entre a origem do carnaval e o Egito Antigo. “Essa ideia de inversão de poder, do rei ser plebeu e do plebeu ser rei no carnaval, remete às grandes festas feitas em homenagem ao deus Ápis e à deusa Ísis, no Egito”, explicou.
O desfile inteiro contará com 3 mil pessoas e cinco carros alegóricos nos sessenta e cinco minutos de apresentação. Segundo Monteiros, a escola não terá somente negros desfilando, mas o abre-alas sim, será totalmente composto por negros, metade de africanos e metade de brasileiros.
O embaixador egípcio Roushdy disse estar feliz por ver o Egito como parte do enredo. “Estou fascinado por ver o trabalho de uma escola de samba de perto”.
Esta foi a primeira visita do arqueólogo e egiptólogo Zahi Hawass a um galpão de escola de samba, que com semblante sério, fazia anotações em um bloco de papel amarelo, em árabe, atentamente. À ANBA, ele disse ter apreciado a visita.
“É fantástico! Tudo muito bonito, fizeram um bom trabalho; gosto da ideia dos símbolos egípcios, e as roupas são muito coloridas – os egípcios não tinham tantas cores –, mas no fim é uma boa publicidade, tanto para o povo negro quanto para os egípcios”, disse o arqueólogo. “É importante dizer que estes são reis e rainhas da 25ª dinastia, dos reis de Kush, originários do Sudão, que reinaram por um pequeno período de tempo no Egito e não representam o Egito Antigo”, enfatizou Zahi Hawass.
A Vai-Vai é a maior vencedora do carnaval paulista, com 15 títulos conquistados. Em 2019, será a quarta escola a entrar no dia 2 de março, sábado de carnaval.