São Paulo – A estudante do 2º ano do Ensino Médio Ana Clara Sampaio (foto), de Belo Horizonte (MG), publicou seu primeiro livro há cerca de um mês, o “Discursos Diretos – Diálogos sobre o multiculturalismo religioso”, fazendo uma compilação de depoimentos de jovens muçulmanos e não muçulmanos de 15 países para combater a islamofobia, preconceito que repudia muçulmanos e os associa ao terrorismo.
A jovem de 17 anos contou à ANBA que sua curiosidade pelo tema teve início a partir de uma amizade online com uma garota do Paquistão (conversando em inglês), quando as duas tinham 13 anos, em 2015. Na época, Sampaio criou uma conta no Twitter para poder conversar com outras pessoas sobre a série de TV americana House, da qual ela era fã. Daí surgiu a amizade à distância, e elas foram descobrindo outros interesses em comum. “Quando ela me disse que era do Paquistão fiquei muito surpresa, porque não conhecia nada sobre o país e resolvi pesquisar; em um determinado momento eu perguntei qual era sua religião, e foi aí que ela me contou que era muçulmana, fiquei muito curiosa e comecei a procurar mais informações sobre essa religião que era nova para mim”, contou a estudante. “Conversando com minha amiga paquistanesa, descobri que existia muito preconceito contra os muçulmanos e achei isso inadmissível, fiquei muito indignada e chateada”, relatou.
Em 2016, o professor de História de Sampaio, do Colégio Magnum Agostiniano Cidade Nova (onde estuda até hoje), propôs um debate em sala de aula sobre o Islã e o terrorismo. Foi então que a jovem utilizou a rede social mais uma vez para pedir depoimentos de pessoas sobre o tema da islamofobia. Ela esperava receber cerca de quatro ou cinco histórias, mas acabou recebendo vinte testemunhos de pessoas de diversos países, em inglês e português. “Este debate me incentivou a pesquisar mais a fundo sobre o tema, e o que era para ser apenas um conteúdo extra para o debate acabou se tornando o projeto Discursos Diretos”, disse.
Sampaio então coletou mais vinte depoimentos para o projeto que acabou se tornando livro, editado pela Federação das Associações Muçulmanas no Brasil (Fambras) e lançado em versão física durante a Bienal Internacional do Livro de São Paulo, em agosto, com distribuição gratuita. Ela é a organizadora do livro, que traz uma compilação de 40 depoimentos de muçulmanos e não muçulmanos de 15 países, entre eles, Brasil, Estados Unidos, Paquistão, Índia, e os árabes Líbano e Somália. “Os relatos falam sobre a relação errada que as pessoas fazem entre o Islã e o terrorismo, cada um com um foco, alguns com questões nacionais de seus países, outros com uma análise mais internacional, e alguns bastante emotivos, com experiências pessoais de preconceito”, declarou a jovem, que disse ter feito a tradução dos depoimentos em inglês e alterações mínimas no texto para melhor entendimento do leitor.
O processo de receber os depoimentos foi, segundo Sampaio, emocionante e intenso. “Foi um momento incrível, tive muitas noites mal dormidas, mas foi um dos melhores períodos da minha vida”, afirmou. A jovem comunicou que o projeto a ajudou a definir que faculdade ela irá cursar. “Antes eu estava meio perdida, sabia que gostava de História e Geografia, mas não tinha certeza de nada; durante o projeto eu percebi que gosto muito de desenvolver meu olhar para o exterior, compartilhar conhecimento e explorar novas culturas, então estou decidida de que irei cursar Relações Internacionais.”
Sampaio contou que depois do processo de pesquisa e do debate na escola, ela formou uma opinião menos estereotipada sobre a religião, e que percebeu também mudanças de comportamento e opinião de seus colegas da escola. “Vi que meus colegas começaram a prestar mais atenção nas discussões, e a tomar posições e se engajar mais nos discursos; gosto de pensar que meu projeto mudou a opinião de algumas pessoas, graças à luta da comunidade muçulmana, e tudo que acontece de bom por causa do livro, é bom para mim e para mais um monte de gente que esteve envolvida”, concluiu.
Confira uma parte do relato da jovem muçulmana da Somália: “A islamofobia começou após o 11 de setembro e continua até hoje. Já aconteceram várias mortes não faladas na mídia que envolviam cristãos matando muçulmanos na América. (…) A palavra ‘Islã’ tem uma tradução direta de Paz. A religião inteira prega a paz e nada mais. Se você olhar diretamente no Alcorão, você NÃO achará nenhuma passagem que prega a violência. (…) Por favor, lembre seus colegas que o Islã é a segunda maior religião e continua crescendo. E estereotipar falsamente 1,3 bilhão de pessoas para atos de provavelmente 300 ou menos é inaceitável. Existem atos terroristas e eles não pertencem a nenhuma religião.”
É possível baixar a versão digital do livro gratuitamente no site da Fambras. Sampaio informou que existe o projeto de versões em inglês e árabe para um futuro próximo.
Serviço
Discursos Diretos – Diálogos sobre o multiculturalismo religioso
Ana Clara Gonçalves Sampaio, 2016
Editado pela Federação das Associações Muçulmanas do Brasil
ISBN 978-85-85308-00-1
Grátis em versão digital no site da Fambras