São Paulo – O Brasil tem condições de ser protagonista da descarbonização, mas precisa combater o desmatamento e promover a agricultura regenerativa para reduzir sua contribuição com o aquecimento global. Ao mesmo tempo, Belém, no Pará, será sede da Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30), evento que herda das edições anteriores o desafio de encontrar formas e dinheiro para financiar a transição energética, principalmente nos países pobres. As avaliações são do climatologista Carlos Nobre, em entrevista à ANBA.
Nobre afirma que a COP27, no Cairo, Egito; a COP28, em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos; e a COP29, em Baku, no Azerbaijão, não promoveram os avanços esperados, embora a COP27, no Cairo, tenha criado o fundo de perdas e danos e a COP28 tenha enfatizado pela primeira vez a necessidade de promover a transição energética de combustíveis fósseis para renováveis. Fundo de perdas e danos é o mecanismo em que países desenvolvidos depositam contribuições voluntárias para apoiar nações em desenvolvimento afetadas pela emergência climática.
Outras edições da COP, por sua vez, como a COP 26 em Glasgow, na Escócia, e a COP 21, em Paris, foram fundamentais para determinar o teto das emissões globais em um aumento de 1,5ºC em comparação aos níveis pré-industriais. O evento na Escócia estabeleceu 2050 como o ano para se zerar as emissões líquidas de gases causadores do efeito estufa.
Logo no começo da COP29, em novembro do ano passado, foi apresentado um estudo que calcula em US$ 1,3 trilhão por ano o valor necessário para financiar a transição energética global. Foram aprovados, contudo, US$ 300 bilhões de financiamento público e privado a serem depositados pelos países ricos.
O valor é considerado insuficiente pelas nações que não são ricas, o que leva à continuidade do debate para a COP no Brasil. “As metas da COP30 já não são provavelmente mais como não deixar a temperatura passar de 1,5 grau, porque não existe maneira nenhuma de zerar as emissões dos gases do efeito estufa amanhã”, alerta Nobre. Os países pobres e em desenvolvimento não têm as mesmas condições que os ricos de se preparar para a emergência climática.
Enquanto se debate como financiar o enfrentamento e as mudanças que o aquecimento global exigem, o planeta esquenta. Entre 2023 e 2024, o mundo deverá alcançar 17 meses seguidos de temperaturas médias acima de qualquer registro anterior. E entre janeiro e setembro de 2024, a temperatura média global superou os índices pré-industriais em 1,54ºC, ou seja, acima da meta estabelecida pelo Acordo de Paris.
Anda em 2018, o relatório especial divulgado pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) mostrou que quando a temperatura global e os oceanos registrassem um aumento de 2ºC em suas temperaturas haveria extinção dos corais, que armazenam entre 18% e 25% de toda a biodiversidade marinha.
Nobre alerta para outro dado que mostra o problema climático. Apenas em 2023, o aquecimento global registrado foi de 0,3ºC. “Nas últimas décadas, estava aquecendo 0,2 graus por década. Aqueceu 0,3 graus em um ano e precisamos ver se vai baixar ou não. Se não baixar, o desafio fica muito grande”, alerta.
Brasil e árabes devem ajudar
Brasil e países árabes podem contribuir para reduzir as emissões globais. Em 2022, diz Nobre a partir de dados de inventários de emissões, 75% das emissões de gases causadores do efeito estufa pelo Brasil foram geradas pelos “usos da terra”: desses, 50% decorreram do desmatamento e 25%, da agropecuária.
“Os cálculos mostraram que, naquele ano, as emissões de queimas de combustíveis fósseis foram 18% [das emissões brasileiras]. Então, o Brasil tem que acelerar demais a redução das suas emissões zerando os desmatamentos”, diz.
A agropecuária também tem papel fundamental nessa jornada. “A agropecuária de baixas emissões é possível. É chamada agricultura e pecuária regenerativas, elas são muito mais produtivas, até mais lucrativas, emitem muito menos, utilizam uma área muito menor. Então isso tudo é possível. Esse é o caminho que o Brasil tem que levar”, afirma.
Já os países árabes do Golfo podem até ser líderes na transição energética porque são países ricos e grandes produtores e exportadores de petróleo. “Não só nos próprios países, mas também no financiamento, que temos que ter transição, precisaríamos investir muitos trilhões de dólares por ano na transição energética. Sem dúvida, os países árabes têm um papel muito importante”, afirma.
Se o financiamento não ocorrer de acordo com o necessário, se o planeta aquecer acima de 1,5ºC e se as emissões não se reduzirem, prevê o especialista, eventos como o ocorrido em Meca neste ano irão se repetir. Em junho de 2024, mais de 1.300 pessoas morreram em razão de uma onda de calor de 51,8ºC registrado durante o Hajj, a peregrinação anual que muçulmanos fazem à cidade sagrada localizada na Arábia Saudita. Eventos como o ocorrido em 2024, observa o climatologista, começam a afetar a vida cultural da sociedade e exigirá medidas de adaptação que hoje não são imagináveis.
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