São Paulo – Marcas de chocolate premium do Brasil estão buscando comprar direto de produtores de cacau para garantir a qualidade do produto. O movimento é batizado de ‘bean to bar’, ou, ainda, ‘tree to bar’, que vai mais fundo com marcas que fazem desde o cultivo do fruto até a industrialização do chocolate. Neste sentido, produtores dos três principais estados da cultura, Bahia, Pará e Espírito Santo, também se organizaram para conquistar a Indicação de Procedência (IP) para suas regiões. O selo garante a origem do produto, sua qualidade e o modo como é produzido.
Originário da Amazônia, nos últimos anos, a cultura do cacau tem se espalhado também para outras regiões. “O cacau está ajudando a reflorestar o País, inclusive. Rondônia e regiões como Tocantins e Goiás estão plantando e até Juazeiro (Bahia) e Petrolina (Pernambuco)”, afirmou Paulo Gonçalves, trader e CEO da marca de chocolates Espírito Cacau, a diversificação é benéfica para o setor.
A Espírito Cacau é exemplo de marca ‘tree-to-bar’. Vindo de uma família que está há quatro gerações cultivando cacau, Gonçalves é dono das fazendas Ceará e São José, na região de Linhares, no Espírito Santo, onde produz cacau fino, que resulta em barras de chocolate premium.
Mais qualidade, menos açúcar
Para chegar ao alimento final na qualidade demandada a indústria precisa processar diferentes camadas do cacau: a massa, a manteiga e o pó. Antes disso, porém, a qualidade está na origem. Os processos no campo precisam ser meticulosos, conta outro produtor focado em cacau fino, internacionalmente conhecido como fino de aroma. “Todo cacau de qualidade é fermentado. Depois da colheita, ele passa por esse processo por cinco a sete dias e, então vai ser seco. Uma boa secagem demora 12 dias”, detalha Rogerio Kamei, dono da Fazenda Bonança. A propriedade de 50 anos, localizada em Itacaré, na Bahia, fornece para a marca Mestiço Chocolates, da qual Kamei também é proprietário. A empresa é uma das associadas à Bean To Bar, instituição que une marcas que compram direto de produtores.
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Representante dessas duas pontas, Kamei também vende seu cacau a outras marcas e explica que por não ter atravessadores, o movimento ajuda na independência aos pequenos agricultores, maioria no estado. “O cacau na Bahia está no meio da Mata Atlântica. Mantemos as árvores mais altas. É o sistema de cultivo chamado de ‘cabruca’, que mantém a mata original e cultiva cacau integrado a ela. Quem passa por perto nem consegue ver que há um cultivo ali porque a área fica bem preservada”, explicou.
Com fábrica em São Paulo, a marca vende principalmente a empórios nacionais, mas está de olho na imagem do Brasil lá fora. “Temos pretensão de exportar. Vejo que hoje mesmo em locais com companhias tradicionais de chocolate, como a Europa, o chocolate brasileiro está ganhando espaço. E existe uma infinidade de tipos de cacau e de chocolates”, apontou.
A demanda por um cacau melhor tem chegado, inclusive, a grandes exportadoras. Gonçalves explica que multinacionais como a Cargill passaram a exigir qualidade para poder diminuir o açúcar adicionado na industrialização. Um produto mais puro garantiria, portanto, um alimento final mais saudável, e é nisso que as marcas de ‘bean to bar’ também apostam. Um dos mercados que busca o conceito da ‘saudabilidade’ é o árabe, explica o CEO da Espírito Cacau. Não por acaso os capixabas passaram a ter a certificação halal, que indica produtos próprios para o consumo de muçulmanos.
Com a maioria dos produtos veganos e focados na pureza do cacau, a marca já tinha distribuidor exclusivo nos Emirados Árabes Unidos, mas os produtos estavam nas gôndolas apenas do emirado de Ras al- Khaimah. O selo halal foi uma exigência em locais como Dubai, explica o desenvolvedor de negócios internacionais da Espírito Cacau, Renato Fasolo. “Em paralelo a essa solicitação, fizemos um estudo de inteligência comercial e observamos o consumo e crescimento da população global de predominância da religião islâmica. Vimos isso como um grande potencial do produto”, apontou Fasolo.
A expectativa se confirmou com o aumento da procura por produtos mais saudáveis após o início da pandemia. “Entre os próprios árabes, vimos esse aumento, porque lá há uma questão de diabetes e eles viram que era muito importante comer chocolate com alto teor de cacau. Isso no mundo todo veio aumentando o consumo”, contou Gonçalves.
O primeiro envio do produto certificado aos árabes foi de 600 quilos de chocolate, mas a perspectiva é que esse número cresça nos próximos embarques. “A próxima entrega estimada para janeiro é de oito toneladas”, conta Fasolo sobre o processo que envolveu toda a empresa. “Hoje, nosso foco é o mercado externo. Estamos investindo pesado para chegar a 80% das vendas direcionadas a exportação e agora colhemos alguns frutos”, concluiu.