Riad – À primeira vista a Arábia Saudita não parece o lugar mais adequado para a produção de leite em larga escala. Seco e quente, o país carece dos recursos necessários para a maioria das atividades agropecuárias. Mas uma visita à fazenda Al Hamra, da empresa saudita de alimentos e bebidas Almarai, é capaz de mudar esta visão.
Localizada a cerca de 80 quilômetros da capital Riad, a fazenda tem um rebanho de 20 mil vacas holandesas, que produzem em média 42 litros de leite por dia cada, o que dá um total de 840 mil litros diários. É um alto nível de produtividade.
As vacas são mantidas em estábulos climatizados, para protegê-las do sol e do calor, e quatro vezes por dia são levadas a “salas de ordenha”, onde ordenhadeiras mecânicas tiram o leite. Tudo muito rápido e muito limpo. Não há sujeira no chão além daquela deixada pelos animais, e essa também é rapidamente limpa. É curioso ver toda esta estrutura rodeada de areia, seca.
As vacas são alimentadas com feno, alfafa e silagem de milho. A maior parte destes insumos é importada, mas algo é produzido no próprio país. A produção local, no entanto, será encerrada em 2018, quando tudo passará a vir do exterior. É que governo saudita está tirando incentivos da produção agrícola local para preservar água para consumo humano e incentivando investimentos na área no exterior. A própria Almarai já tem fazendas na Argentina e nos Estados Unidos.
No caso das vacas, a última importação foi feita em 2009, dos EUA, segundo o veterinário sênior da Almarai, Gonçalo Maria Lucena. Desde então, todos os animais adicionados ao plantel nasceram ali.
Gonçalo, que é português, guiou nesta quinta-feira (18) uma delegação de brasileiros liderada pelo ministro da Agricultura, Blairo Maggi, em visita à fazenda. O ministério da Agricultura promove uma missão oficial e comercial a quatro países do golfo.
Segundo o veterinário, a fazenda tem 609 funcionários de seis nacionalidades, e todos moram em alojamentos na propriedade.
Com toda a infraestrutura e tecnologia necessárias para produzir no deserto, é de se pensar que o leite ficar caro. Mas não, um litro de leite Almarai custa cerca de 4,00 riais sauditas no varejo, de acordo o vice-CEO da companhia, Abdullah Abdulkarim, pouco mais de US$ 1,00, e o custo de produção gira em torno de 30 centavos de euro por litro, ou US$ 0,33.
A Almarai foi fundada em 1977 pelo príncipe Sultan Bin Mohammed Bin Saudi Al Kabeer em sociedade com irlandeses. Hoje os europeus não são mais acionistas, mas muitos irlandeses ainda trabalham nas fazendas.
A Almarai tem seis fazendas como a Al Hamra na Arábia Saudita que produzem quase quatro milhões de litros de leite por dia. A companhia tem 185 mil animais, sendo que 95 mil estão em lactação atualmente.
O grupo de brasileiros visitou também uma fábrica de lácteos e de sucos que fica próxima à fazenda. Mesmo quase que completamente automatizada, com máquinas importadas da Suécia, Alemanha, Estados Unidos e Reino Unido, a unidade emprega cerca de cinco mil funcionários. Como na fazenda, eles moram em apartamentos dentro da propriedade.
Além de lácteos e sucos, a Almarai produz também pães e doces, carne de frango e alimentos para nutrição infantil.
Segundo Abdulkarim, a companhia abastece o mercado saudita e exporta para outros países árabes, principalmente os do Golfo, Ásia e América do Norte.
Oportunidade
“Ver tudo isso tem um significado especial”, disse o presidente da Câmara de Comércio Árabe Brasileira, Rubens Hannun, que participou da visita. “É algo que o brasileiro não espera que exista na Arábia Saudita, e cabe a nós divulgar isso no Brasil”, acrescentou.
O Brasil exporta principalmente produtos agropecuários à Arábia Saudita, mas, segundo Hannun, uma estrutura como a da Almarai mostra que há mercado para outros itens, como máquinas e equipamentos de alta tecnologia para a indústria alimentícia.
“E os sauditas estão muito interessados em fazer parcerias no Brasil”, destacou. “Este é um mercado cuja existência não é conhecida lá, ou seja, há outros caminhos para os negócios além das exportações de commodities”, ressaltou.
Na mesma linha, o embaixador brasileiro em Riad, Flavio Marega, disse que já havia ouvido falar das instalações, mas “não imaginava que fossem tão grandes, um projeto tão bem montado”.
Com a redução das atividades agrícolas, os sauditas deverão se concentrar em setores como os de lácteos e de frangos, além de alguma produção de frutas. O país é, por exemplo, grande produtor de tâmaras. Assim como Hannun, Marega avalia que existem oportunidades para exportação de máquinas para a indústria alimentícia.
“Como nós [brasileiros] temos tecnologia no agronegócio, há oportunidades de parcerias com empresas sauditas”, afirmou o diplomata. Para viabilizar os negócios, porém, ele diz que o Brasil deveria promover mais missões comerciais ao país árabe, pelo menos uma vez por ano, ou até duas, de diferentes setores.