São Paulo – Lourdina Jean Rabieh nasceu no Líbano e viveu no país por 14 anos. Mas a guerra civil, que começou em 1975, fez com que ela e a família deixassem a terra natal e fossem em busca de um novo destino para viver em paz. “Nunca imaginávamos que ficaríamos para sempre aqui, mas a guerra só teve uma trégua após 15 anos. Só pude voltar ao Líbano já com quase 30 anos”, conta Lourdina.
Aos 18 anos, novos acontecimentos trouxeram mais mudanças para a vida da libanesa. Ela foi apresentada ao mundo da arte por um amigo que trabalhava na área e apesar de ter gostado desse novo universo, acabou ingressando na faculdade de Administração de Empresas. Lourdina trabalhou por um ano em um banco. “Devido ao fato de falar várias línguas, fui enviada para estagiar em Nova Iorque (Estados Unidos), mas acabei desistindo após um ano para me dedicar ao mercado de arte, no qual continuo até agora”, diz.
Lourdina trabalhou 15 anos na maior casa de leilões que havia em São Paulo, em seguida atuou na casa de leilões Christie’s, localizada em Londres (Inglaterra), e se graduou no país europeu em História da Arte, focada na identificação, catalogação e avaliação de obras.
Depois disso, ela voltou ao Brasil e abriu o próprio espaço de arte, a Galeria Rabieh, que funcionou de 2006 até 2020, na capital paulista. “Durante os anos em que eu trabalhava com arte, meu irmão construiu uma pousada no Litoral Norte, em Boiçucanga, da qual acabei ficando sócia. Ela funcionou por 20 anos, até que em 2017 resolvemos transformá-la num espaço dedicado à arte, como residência artística, o Kaaysá Art Residency.” Boiçucança é uma praia da cidade de São Sebastião, no litoral do estado de São Paulo.
Atualmente com 60 anos de idade, a empreendedora gerencia, junto com irmão, a organização autônoma, que não recebe dinheiro de patrocinadores. A residência, localizada a 160 quilômetros de São Paulo, abre as portas para artistas plásticos, escritores, músicos, atores, cineastas, fotógrafos de todas as partes do Brasil e do mundo, para trocar experiências.
O tempo de vivência no local depende do objetivo de cada profissional, que pode optar por ficar por apenas dez dias ou até seis meses. Para ser aceito é necessário se inscrever através do site e preencher informações. Após passar por uma seleção, o artista precisa pagar um valor do próprio bolso para estadia, ou tem a opção de pedir ajuda do consulado ou solicitar uma bolsa do governo do seu país.
O Kaaysá, que depende de contribuições financeiras dos artistas e de outros apoiadores, já atendeu mais de 500 artistas e recebeu mais de 40 curadores nacionais e internacionais em quase cinco anos.
Como funciona o espaço
De acordo com Lourdina, a ideia de transformar a pousada em residência artística surgiu durante as visitas que ela fez a variadas feiras de arte no Brasil e no exterior. Nesses locais, a especialista em mercado de arte via que eram oferecidos prêmios e bolsas de residências a artistas. Depois de pesquisas para entender como funcionavam residências como aquelas, ela resolveu aplicar a ideia à pousada.
“Tem sido um sucesso entre os artistas e todos os agentes culturais. Os artistas saem ‘transformados’ de um programa de residência, onde realizam trocas e experiências entre eles e os outros artistas participantes, e também entre curadores convidados e a comunidade local de pescadores, indígenas e caiçaras”, explica a libanesa.
Assim que os artistas chegam no Kaaysá, eles conhecem o entorno e fazem uma trilha até a mata. Guiados por um biólogo, os novos moradores da residência aprendem tudo sobre a fauna e flora da Mata Atlântica. Em seguida, visitam a vila dos pescadores, a praia, os bairros de Boiçucanga e a aldeia indígena Guarani, que fica a meia hora de distância de carro.
Durante a estadia, os participantes fazem leituras, assistem filmes de arte e cada artista mostra seu portfólio a todos, respondendo a perguntas e dúvidas. Os moradores ficam em quartos iguais e podem usufruir de vários espaços comuns para produção, como um atelier coletivo, uma marcenaria, forno para queima de cerâmica, um estúdio de gravação de música com muitos instrumentos e mesa de som, cozinha coletiva, lavanderia e bicicletas para uso comunitário.
Recebendo artistas árabes
Lourdina conta que dois anos atrás recebeu um grupo de artistas libaneses que tinha perdido tudo durante a explosão no porto de Beirute. Eles ficaram por cinco semanas no local e foram apresentados a vários artistas e curadores brasileiros, e ainda conheceram o entorno e visitaram museus e galerias de São Paulo. “É muito bom receber artistas que falam a nossa língua”, conta.
Além dos libaneses, a residência também já recebeu um músico de origem palestina nascido na Jordânia. Hosam Omran teve o apoio da Câmara de Comércio Árabe Brasileira para realizar sua residência no Kaaysá. “Temos muito interesse em divulgar a residência nos países árabes e temos certeza que assim melhoraremos muito nossa relação cultural e intercâmbio entre o Brasil e esses países”, completa ela.
Contato:
Kaaysá Art Residency
Email: info@kaaysa.com
Instagram: Kaaysa_artresidency
Whatsapp +55 (11) 98348 7849
*Reportagem de Rebecca Vettore, especial para a ANBA