São Paulo – Manuscritos árabes até recentemente inacessíveis ao público agora estão digitalizados e disponíveis na internet para quem quiser consultá-los. O projeto foi apoiado pelo Joint Information Systems Committee (JISC), instituição que financia pesquisas que usam a tecnologia digital para difundir informações, e permitiu que três instituições desenvolvessem os métodos para colocar na internet documentos datados entre os séculos 14 e 20. A busca pode ser feita em inglês ou em árabe.
Depois de dois anos de trabalho, pesquisadores da Wellcome Library, de Londres, do King’s College London e da Bibliotheca Alexandrina, em Alexandria, no Egito, criaram em julho deste ano um site com 500 manuscritos árabes e 75 mil imagens. A maior parte dos documentos trata de um assunto em que os árabes avançaram muito do fim do Império Romano até o século 15: a medicina.
Podem ser consultados na web estudos do médico e filósofo Ibn Sinna (Avicena), comentários de outro filósofo, Averrois, sobre poemas médicos escritos por Avicena e até trabalhos físicos e científicos de pesquisadores anônimos.
Diretor de consultoria digital do Departamento de Humanidades Digitais do King’s College London, Simon Tanner acredita que estes estudos ajudaram a medicina a evoluir. Ele afirma que poderão voltar a ser utilizados a qualquer momento. Afinal, diz Tanner, os laboratórios frequentemente pesquisam documentos antigos em busca de nomes de ervas utilizadas antigamente ou de um “caminho” que os possa levar à descoberta de novas drogas e curas de doenças.
“Nosso mundo moderno da medicina pode ser melhor entendido quando compreendemos a importância do mundo árabe para a medicina. Desde a queda de Roma até a Renascença Europeia, no século 15, o mundo islâmico foi o centro do conhecimento médico. A medicina árabe foi a mais avançada no mundo (muitos termos árabes medicinais, como ‘droga’, ‘xarope, ‘álcool’, ‘alcalino’, etc., permanecem nas línguas ocidentais) e estes manuscritos mantêm importância histórica e ideias científicas daquele período”, diz Tanner.
Os 500 manuscritos digitalizados pertencem à Wellcome Library. De acordo com a instituição, digitalizar seus documentos é parte de um grande projeto e compreende outras coleções que lhe pertencem. Parte dos documentos árabes é constituída de manuscritos médicos que pertenceram ao físico e historiador de medicina libanês Sami Ibrahim Haddad (1890-1957) e integram uma das coleções transcritas, “The Haddad Manuscript Collection”. A coleção é formada também por textos de autores islâmicos como Al-Majusi, Ibn Sina e até autores judeus que escreveram em árabe.
A Wellcome Library foi a responsável por administrar o projeto. A instituição forneceu os documentos, fez a catalogação e reprodução das imagens. A Bibliotheca Alexandrina desenvolveu o software para colocar os documentos na internet e agora hospeda o site em que eles podem ser consultados. Ao King’s College London coube a criação das especificações técnicas para colocar os documentos na web, a adequação do sistema para exibir os arquivos digitais e o fornecimento de tecnologia para que pudessem ser exibidos em um computador.
Tanner afirma que os sistemas desenvolvidos durante o projeto poderão beneficiar outras instituições. “A tecnologia mais importante desenvolvida para tornar estes manuscritos disponíveis foi o trabalho de catalogação. Sem o novo modelo, que chamamos de esquema Enrich arábico, não poderíamos mostrar os manuscritos em sua estrutura correta nem representar os vários tipos (letras) usados pelos escribas. Esta nova tecnologia agora está disponível para uso de outras bibliotecas ou arquivos”, diz.
Os pesquisadores utilizaram uma câmera digital capaz de captar imagens dez vezes mais detalhadas do que uma câmera SLR (reflex), que já produz imagens em qualidade superior.
Para o pesquisador, no entanto, a maior conquista do projeto é disponibilizar ao público textos de acesso restrito, pois alguns manuscritos estão deteriorados e não podem ser manuseados. “Fornecer acesso global a esta coleção está no centro da nossa missão no Departamento de Humanidades Digitais do King’s College London para promover uma pesquisa colaborativa e democratizar o acesso a estes tesouros que, agora, cada um pode ver da forma como desejar”, afirma Tanner.