São Paulo – Um dos primeiros foi o frango. Chegou um contêiner, dois, três, dezenas, centenas e logo as criações dos aviários do Brasil já eram figuras carimbadas nas panelas das donas de casa árabes. Depois vieram outros produtos, como os calçados e as roupas. Uma sandália Arezzo nas escadas luxuosas das residências de Riad, uma camiseta da dzarm no Bahrein, uma calça da Colcci nas ruas de Dubai. Também chegaram os ônibus, os perfumes, as carnes bovinas, os utensílios domésticos e hoje existe banco brasileiro de portas escancaradas em Dubai e gente daqui construindo os prédios onde vão morar e trabalhar os árabes.
Todos os produtos e serviços citados acima já têm seu território demarcado no mundo árabe. O frango brasileiro possui pelo menos dois endereços em Dubai, nos escritórios que a Sadia e a Perdigão abriram por lá. E neste ano a Sadia pretende começar a construir a fábrica que a permitirá industrializar a carne de frango em terras árabes mesmo, nos Emirados. Mas não será a primeira unidade industrial brasileira no mundo árabe. A Randon, de implementos rodoviários, já mantém linhas de montagem no Marrocos e na Argélia, a Neobus, fabricante de ônibus, tem uma linha de montagem na Argélia e a Crystalsev, produtora de açúcar, é sócia de uma refinaria recém aberta na Síria.
Ou seja, as fábricas brasileiras estão começando a ligar as suas máquinas e esteiras industriais por lá. O mesmo não se pode falar dos escritórios comerciais e centros de distribuição com bandeira do Brasil, que já abriram as portas há algum tempo e são inúmeros na região. Só para citar alguns, além dos da Sadia e Perdigão: o grupo JBS, de carnes bovinas, mantém um escritório no Egito, a fabricante de carrocerias para ônibus Marcopolo, em Dubai, a Weg, de motores e equipamentos elétricos, tem uma filial em Dubai, a Tramontina, de utensílios domésticos, tem um centro de distribuição em Dubai.
“Ter um escritório no local é fundamental para aumentar a exportação”, diz o gerente de comércio exterior da Associação Brasileira da Indústria da Alimentação (ABIA), Amilcar Lacerda de Almeida. De fato, as pernas que a indústria nacional estabeleceu no mundo árabe ajudaram a aumentar o comércio. As exportações do Brasil para a região, que estavam em US$ 1,4 bilhão no ano 2000, chegaram a US$ 3,1 bilhões, mais do que o dobro, apenas nos cinco primeiros meses deste ano. Carnes e açúcar lideram as vendas.
A alimentação é um dos setores brasileiros que tem presença mais forte e tradicional no mundo árabe. A Sadia, por exemplo, exporta para a região desde a década de 60. A industrialização dos produtos em outro país, como a que a Sadia fará nos Emirados, é um passo seguinte no nível de comércio com a região, o que se justifica, no caso da Sadia, pelo tempo que a empresa já estabeleceu a marca por lá. Segundo Amilcar, a abertura de uma fábrica em outro país depende de demanda regional e disponibilidade de matéria-prima.
A Sadia, no caso, vai importar os frangos do Brasil e processa-los nos Emirados. “Diversos países hoje estão protegendo seus mercados, impedindo produtos competitivos de entrar. Há uma tendência mundial, então, de produzir insumos onde se é mais eficiente para isso e os derivados do produto no outro país, de acordo com as necessidades e especificidades de cada região”, explica Amílcar. O mesmo deverá ser feito na usina da Crystalsev, na Síria. O açúcar será importado bruto – inclusive do Brasil – e refinado no país árabe.
Moda daqui por lá
Outro segmento da indústria nacional que vem ocupando mais espaço nos shopping centers do mundo árabe é a moda brasileira. Neste caso, porém, as marcas não estão costurando e bordando suas calças, camisas e vestidos por lá. Estão vendendo. Mas vendendo com vitrine própria. Entre as que têm lojas ou franquias nos países árabes estão marcas e indústrias como Hering, Green by Misako, Colcci e Marisol, do setor de confecções, Carmen Steffens e Arezzo, de calçados. A brasileira Simoni Jabbour tem, em Dubai, uma loja de biquínis feitos no Brasil chamada Praias. Há ainda outro setor que caminha pegado à moda, que é de estética. O Boticário possui três lojas e dois quiosques na Arábia Saudita.
O diretor do programa TexBrasil pela Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit), Rafael Cervone, acredita que a tendência é que aumente ainda mais o número de lojas e franquias de marcas de confecções brasileiras no mundo árabe nos próximos anos. Existe, segundo ele, interesse de empreendedores locais pelo estabelecimento de lojas voltadas para a moda brasileira. “Os árabes gostam de produtos inovadores, com brasilidade”, afirma. Segundo Cervone, Emirados, Egito e Arábia Saudita são os grandes mercados para o segmento no mundo árabe. “Eles têm grande interesse por moda e estilo”, diz.
Estradas e casas para os árabes
A construção brasileira também descobriu o mundo árabe. Algumas companhias do Brasil, como a Odebrecht, já atuam de longa data na região, mas o número de contratos fechados pelas empreiteiras nacionais no mundo árabe vem crescendo. A Queiroz Galvão, por exemplo, toca quatro projetos, no valor de US$ 500 milhões, na Líbia. As obras incluem as áreas de abastecimento de água, esgoto, drenagem, iluminação pública, telefonia, arruamento e urbanismo. Também atua na região Andrade Gutierrez.
E nem todas as empresas brasileiras que estão abocanhando uma fatia do crescimento da construção civil na região são gigantes. A paranaense Engeprot Engenharia e Protensão, de Curitiba, estabeleceu suas bases em Dubai há pouco mais de três anos, com a abertura de um escritório, e desde lá vem prestando serviços de protensão em obras, tecnologia para aumentar a resistência do concreto. Até o final do ano passado, a companhia já havia executado seu trabalho em 450 mil metros quadrados. Neste ano serão um milhão de metros quadrados.
Bancos agora em Dubai
Um dos estreantes no mundo árabe é o setor bancário brasileiro. O Banco do Brasil abriu um escritório, no último mês, em Dubai, e o Itaú terá uma subsidiária da sua corretora de valores, em Dubai, e um escritório de representação, em Abu Dhabi. Atração de investimentos e comércio serão os principais focos das bases dos dois bancos no país árabe. Um executivo do Bradesco também falou recentemente à imprensa brasileira da intenção do banco de estabelecer suas bases nos Emirados Árabes Unidos.
De acordo com o sócio da Integral Trust Serviços Financeiros, Roberto Troster, a internacionalização dos bancos brasileiros é uma tendência. Hoje, os bancos nacionais estão, segundo ele, não só no mundo árabe, mas também Estados Unidos, Europa, Japão. “Os bancos estão indo para estes países pela importância econômica que eles têm, e também porque são doadores de recursos”, diz Troster. No caso do mundo árabe, ainda pesa, segundo o economista, a sofisticação do sistema bancário local. O grande negócio, para eles, na região, segundo Troster, é trazer investimentos e fundos para o Brasil.
Petróleo e muito mais
Algumas empresas brasileiras, apesar de não terem estruturas físicas fixas no mundo árabe, já tem suas marcas bem estabelecidas localmente. É o caso da Embraer, fabricante de aviões, e a Petrobras. A petrolífera brasileira está explorando petróleo na Líbia, tem acordo com a Argélia para atuar no setor de gás e também com a francesa Total para atuação no Oriente Médio e África. Outras ainda usam o Centro de Negócios de Dubai, mantido pela Agência de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil) e pela Câmara de Comércio Árabe Brasileira, para facilitar seus negócios no mundo árabe.
Não é possível mensurar, em números, o dinheiro que o Brasil tem investido no mundo árabe. Mas os anúncios de escritórios, fábricas, centros de distribuição apontam que ele está lá e em grande volume. Para as empresas brasileiras que ainda não estão por lá, ou mesmo para as que querem aprimorar sua presença no mercado local, o Departamento de Desenvolvimento de Mercados da Câmara Árabe preparou um estudo com passos fundamentais para começar a investir no mundo árabe. Leia abaixo alguns trechos:
Identificar oportunidades sinérgicas – Os ambientes para investimentos diferem nas várias regiões do mundo árabe. Há particularidades em cada uma.
Conhecer incentivos – Os governos oferecem incentivos em vários setores, principalmente nas zonas industriais, desde isenção fiscal até assistência.
Estudar o mercado – O mercado é de mais 330 milhões de consumidores. É preciso definir o nicho.
Qualidade e dedicação ao mercado – O ambiente de mercado, no Golfo, é competitivo e por isso demanda produtos de qualidade.
Divulgação da marca – Os produtos brasileiros não são tão conhecidos. É bom divulgar seus diferenciais.
Inovar – A brasilidade e o investimento em tecnologia são bons apelos para vender produtos no mundo árabe.
Mão-de-obra – Há empresas locais especializadas para buscar mão-de-obra. A contratação na região normalmente é mais barata que a brasileira.
Respeito à cultura local na conduta da negociação – A noção do tempo é diferente da que há no Brasil. Os árabes valorizam as relações pessoais.
Parceiros locais – Em alguns países o parceiro local é necessário por lei. Empresas já estabelecidas no país podem ajudar a entrar no mercado.