São Paulo – Em 14 de outubro, a estatal do petróleo da Arábia Saudita, Saudi Aramco, anunciou que dentro de “poucos” anos irá produzir para seus clientes o shale gas, ou gás de xisto, como o produto é chamado no Brasil. Assim como a Arábia Saudita, Omã, outro grande produtor mundial de petróleo pretende começar a explorar comercialmente seus 849,5 bilhões de metros cúbicos de gás não convencional, outra forma como o xisto é chamado.
O motivo que tem levado os donos das maiores reservas de petróleo e maiores exportadores mundiais de óleo e gás “comuns” a investir na exploração do xisto é a rápida disseminação da exploração do óleo e do gás de xisto dentro do território de grandes importadores de petróleo. Entre eles, e principalmente, estão os Estados Unidos. Os norte-americanos exploram xisto comercialmente desde os anos 1980, no entanto a evolução da tecnologia para extrair este produto nos últimos anos permitirá que a produção a partir do xisto cresça aceleradamente nos próximos anos.
A Agência dos Estados Unidos de Informações Energéticas (EIA, na sigla em inglês) afirma que desde 2011 os Estados Unidos produzem 95% do gás natural que consomem. Em 2011, os Estados Unidos produziam o equivalente a 651,1 bilhões de m³ de gás natural, dos quais 220,8 bilhões de m³ eram provenientes do gás de xisto. A previsão da EIA é que em 2040 a produção de gás atinja 937 bilhões de m³. Desse total, 472,7 bilhões de m³, ou a metade da produção, será procedente do gás de xisto.
De acordo com o gerente de petróleo e serviços de consultoria da Bentek Energy, Anthony Scott, neste ano o país importou 84,9 milhões de m³ de gás natural porque duas cidades, Boston e Elba Island, não têm gasodutos. Segundo Scott não deve demorar muito para que estas duas regiões deixem de importar o produto, pois já há projetos de construir gasodutos para elas. Assim, os Estados Unidos deixarão definitivamente de importar gás e se tornarão autossuficientes no produto, dos quais já são grandes exportadores.
As previsões da Bentek, que é uma divisão da Platts, uma das empresas líderes na análise de dados e cotações de commodites, indicam que em 2009, 17% da produção de gás nos Estados Unidos vinha do xisto. Esta proporção deverá chegara 39% em 2013 e a 50% em 2020.
Petróleo
A produção de petróleo a partir do xisto é menor do que a de gás, mas mesmo assim está ajudando os Estados Unidos a depender menos das importações. Segundo o levantamento anual sobre o mercado mundial de petróleo feito pela British Petroleum, em 2012 os Estados Unidos importaram em média 10,587 milhões de barris por dia e consumiram 18,555 milhões. A BP prevê que os Estados Unidos encerrarão 2013 com produção de petróleo maior do que a da Arábia Saudita e afirma que até 2030 o país produzirá cinco milhões de barris de óleo de xisto por dia.
De acordo com as projeções da Bentek apresentadas à ANBA por Scott, Estados Unidos e Canadá irão aumentar em 4,8 milhões de barris por dia sua produção de petróleo até 2018. Desse total, 2,7 milhões de barris serão procedentes dos Estados Unidos e 1,5 milhão, do Canadá. Parte deste aumento na produção virá do xisto. Segundo a EIA, em 2011 a produção de petróleo de xisto nos Estados Unidos somava um milhão de barris por dia. Neste ano, deverá registrar a média de 2,5 milhões de barris diários. Há a previsão também de que o consumo norte-americano caia. Mesmo assim, afirma Scott, “talvez” os Estados Unidos nunca deixem de importar petróleo.
Embora os Estados Unidos sejam os principais importadores mundiais de petróleo, eles não são os únicos. Outros grandes consumidores do produto têm vastas reservas de xisto em seus territórios. A EIA afirma que a China tem a maior reserva mundial de xisto, estimada em 5,29 trilhões de m³. Argentina, México, África do Sul, Austrália, Canadá, Líbia, Argélia, Brasil, Polônia, França, Noruega, Chile e Índia também têm grandes reservas. A Argentina já produz petróleo a partir de xisto, o Brasil ainda precisa confirmar muitas das suas reservas. A França e alguns estados norte-americanos proíbem a exploração do xisto devido à ameaça ambiental.
Nem todos poderão explorar os recursos do xisto como os Estados Unidos estão fazendo, mas na avaliação do vice-diretor do Instituto de Eletrotécnica e Energia da Universidade de São Paulo (IEE-USP), o geólogo Colombo Tassinari, os estoques destes países já são suficientes para pressionar as vendas e os custos do petróleo.
Tassinari acredita que o barril de petróleo possa custar US$ 60 no longo prazo. Os números da Bentek são outros, mas também preveem queda. A empresa prevê que o barril do tipo Brent encerre 2013 cotado a US$ 108 e caia até US$ 87 em 2018. “O crescimento (da produção) dos Estados Unidos e do Canadá deverá exercer uma pressão menor sobre os preços mundiais do petróleo ao longo dos próximos cinco anos, mas com perturbações geopolíticas como guerra civil na Líbia e o embargo ao Irã fornecendo uma pressão da nossa perspectiva de preço”, diz.
Infraestrutura é o desafio
Os Estados Unidos estão em processo avançado de exploração do gás não convencional, mas não querem ficar sozinhos neste negócio. Segundo Tassinari, os norte-americanos têm feito pressão para que os outros países com grandes reservas internacionais do produto invistam na exploração. “Nos Estados Unidos eles extraem porque o país tem uma legislação mais ágil. Eles demonstram que querem que os outros países invistam no gás não convencional para reduzir as cotações do petróleo. Eles têm incentivado outros países, entre eles o Brasil, a investir neste produto”, diz.
Só que para os outros países isso não é tão fácil. Segundo Tassinari, explorar petróleo a partir das rochas do folhelho é até mais rentável do que o óleo comum, no entanto, é preciso desenvolver infraestrutura para isso.
O petróleo “comum” está localizado em rochas conhecidas como “rocha-reservatório”. Os sedimentos de matéria orgânica que se acumularam durante milhões de anos ficaram “presos” dentro de rochas permeáveis. Já o xisto é encontrado em rochas pouco permeáveis, que só liberam gás ou óleo se forem quebradas.
Neste processo, uma sonda é inserida verticalmente na superfície. Ela perfura solo e rochas a uma profundidade que varia entre mil e três mil metros quando, então, passa a percorrer o solo horizontalmente. Jatos de água, areia e produtos químicos são injetados na rocha sob alta pressão para fraturá-la. Quando a rocha é quebrada, o gás ou o óleo que se desprende dela é capturado. A temperatura da rocha determina se o produto contido nela é gás ou óleo.
A exploração de xisto pode causar danos ambientais, e por isso é proibida em alguns lugares. Como utiliza produtos químicos e uma grande quantidade de água, a fraturação da rocha pode contaminar o solo se a água contaminada com produtos químicos não for tratada e descartada ou reutilizada corretamente. Em locais com escassez de água, a técnica pode, segundo a EIA, gerar desabastecimento. Existe o risco, pequeno, de provocar terremotos em algumas regiões.
Scott afirma que a maior parte dos locais onde há petróleo também contém óleo ou gás de folhelho. É preciso, no entanto, que se invista na tecnologia de extração. “O maior desafio para replicar em larga escala o boom do petróleo e gás de xisto da América do Norte será a infraestrutura para apoiar o desenvolvimento (da exploração). Se os países investirem em toda a infraestrutura necessária para garantir o desenvolvimento (areia antiesmagamento, ferrovias, oleodutos, pessoas, equipamentos de perfuração, etc) petróleo e gás de xisto poderão certamente ser uma ameaça competitiva à exploração convencional de óleo e gás no mundo”, afirma Scott.