São Paulo – A professora doutora em História e Teoria Literária pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Muna Omran é filha de pai sírio e mãe libanesa, de família muçulmana. A carioca é cofundadora do Grupo de Estudos e Pesquisa sobre o Oriente Médio (Gepom) e tem vasta carreira acadêmica, muito ligada a uma forte atuação na desmistificação de estereótipos em relação ao Oriente Médio, aos países árabes, ao Islã e às mulheres árabes e muçulmanas. Omran deu entrevista à ANBA por telefone nesta quarta-feira (24).
A pesquisa e divulgação da cultura árabe sempre foi uma prioridade para Muna Omran. Ela se formou em Letras (português-inglês) e foi alfabetizada em árabe. “Meu avô viveu quase 70 anos no Brasil e só falava árabe, nós lemos o Alcorão em árabe, tudo isso está na base da minha formação”, lembrou. Na época do 11 de setembro, em 2001, Omran viu a necessidade de mostrar e defender sua cultura como mulher árabe-muçulmana.
Ela contou que ia muito ao Líbano passar férias e que pela internet assiste noticiários árabes de diversos países da região. Também consome filmes, novelas e livros em árabe. “Tem um ditado em árabe que diz que no final, todo mundo volta às suas origens”, declarou. Para Omran, a culinária acaba sendo um elo entre as culturas, mas ela enfatiza que a cultura árabe vai muito além das esfihas e kibes.
Omran segue a religião de sua família, o islamismo, mas não usa hijab, o véu na cabeça. “Na minha família ninguém usa, nem aqui nem no Líbano, só as mulheres mais velhas. Isso no Líbano é comum. Eu não preciso me identificar com o hijab e isso não me torna menos muçulmana, isso não me tira o lugar de fala de falar sobre o Islã”, disse.
A estudiosa é fã das obras de Milton Hatoum e Raduan Nassar, segundo ela, autores que transformaram a representação da diáspora na literatura brasileira. “Eles são filhos da diáspora e a partir dos anos 1980 você vê essa transformação, porque até então a visão do árabe era muito estereotipada, mesmo em contos de Machado de Assis. ‘Relato de um Certo Oriente’, de Hatoum, é uma obra prima sobre a imigração, não tem igual em termos de acabamento estético, admiro muito o trabalho dele”, declarou.
Ávidos por Oriente Médio
O grupo de pesquisa Gepom foi criado em abril do ano passado por Omran com a professora doutora Monique Sochaczewski e o economista Najad Khouri. “Foi uma forma de agregar àquele momento em que estava todo mundo enlouquecido dentro de casa [com a pandemia e o isolamento social]”, conta ela.
Um mês depois da criação, a dinâmica de oferecer cursos virtuais já estava estabelecida. “Notamos um público ávido por esse conhecimento, não só acadêmicos, mas saímos dos muros da universidade para cair na rede. Temos entre os alunos empresários, militares de reserva, pesquisadores, diplomatas, professores universitários e socialites”, contou.
Omran afirma que o público leigo tem dificuldade de entender o Oriente Médio. “Nós começamos a atender essa demanda de esclarecimento. No Brasil, há um estereótipo muito negativo sobre a cultura árabe, principalmente sobre as questões do Islã. Nossa proposta é justamente tirar esse estereótipo”, declarou.
Outra particularidade do Gepom, segundo ela, é trazer temas atuais sobre o Oriente Médio, eles política, história, entretenimento e cultura. “Todos os cursos, mesmo os que envolvem questões históricas, acabam trazendo questões atuais para serem refletidas”, disse. São oferecidas cotas nos cursos por causa de uma visão de política inclusiva.
Com a explosão do Porto de Beirute, em agosto do ano passado, Omran percebeu uma demanda dos próprios alunos sobre o que estava acontecendo no Líbano. “Aí fizemos a primeira live, que lotou, e começamos a fazer essas lives gratuitas periodicamente”, disse.
Leia mais sobre o cursos do Gepom:
Atualmente, Omran é professora da pós-graduação da Universidade Federal Fluminense (UFF), no curso de Estudos da Linguagem. Suas pesquisas mais recentes são voltadas aos estudos de gênero e ao recorte feminino do mundo árabe na história, no cinema e na literatura. “Minha pesquisa atual é com gênero, a mulher árabe não é tão diferente da mulher ocidental em suas demandas e em suas liberdades”, afirmou.
Além de seu trabalho acadêmico, Omran conta que é roteirista e dramaturga. “Cresci vendo filmes árabes e ouvindo músicas árabes, o imigrante tem a necessidade de manter sua cultura, e no caso da minha família, isso se deu pelas artes”, contou, mencionando as canções das grandes cantoras árabes como a libanesa Fairuz e a egípcia Umm Kulthum.