Débora Rubin
São Paulo – Com uma mochila nas costas, uma barraca de acampamento, o domínio dos idiomas inglês e francês, algumas palavras em árabe e muito espírito de aventura, o catarinense Charles Zimmermann passou seis meses viajando por 13 países do Oriente Médio e do Norte da África. A aventura começou em novembro de 2005, na Síria, e terminou em maio de 2006, no Marrocos.
A intenção do mochileiro viajante era contornar o deserto do Saara, passando também por grandes cidades e capitais. Seu desejo era conhecer o mundo muçulmano, ver de perto os rostos, sentir os cheiros e sabores e viver, durante os seis meses, tal qual vivem as populações que ele visitou.
Não foi a primeira vez que Charles saiu pelo mundo para uma longa jornada. Em 2004, ele percorreu 60 mil quilômetros em países como a Turquia, o Irã, o Camboja, a China e a Índia (entre outros tantos). O tour nada convencional virou o livro "Nos Confins do Oriente", lançado em 2005 e que já vendeu quatro mil cópias. Desta vez, a viagem para as arábias e países africanos está minuciosamente contada em "Estrada para o Grande Deserto", que embora tenha sido lançado em outubro, já vendeu 1,5 mil cópias.
Em sua busca pelo mundo muçulmano, Charles visitou não só países árabes como Síria, Líbano, Jordânia, Egito e Sudão, mas também Etópia, Quênia, Gana, Mali, entre outros. "Sempre tive curiosidade de entender o mundo muçulmano, uma sociedade tão complexa e diferente da nossa", explica o aventureiro. Ainda no Brasil, traçou o roteiro, os destinos e ficou atento ao clima, para não pegar temperaturas insuportáveis no deserto. De resto, contou com a sorte e com o improviso.
"Saí daqui apenas com o visto para a Síria. Chegando lá, consegui a permissão para ir ao Líbano. E assim fui indo", conta. "Para entrar no Sudão, foi um pouco mais complicado. Como o país está em guerra, tive que insistir na embaixada brasileira do Egito. Eu explicava que não podia pegar um vôo porque não tinha dinheiro e precisava ir por terra. Só assim me liberavam o visto". O passaporte brasileiro abriu portas e facilitou a viagem. "Eles associam ao futebol e à música. São muito simpáticos com os brasileiros."
Em alguns momentos, ele teve que mudar de planos ou se adaptar às adversidades. Quando estava na Síria, três bombas explodiram na Jordânia e as fronteiras foram fechadas. Teve que esticar um pouquinho mais sua estadia em Damasco.
Charles passou, em média, três semanas em cada país. No Sudão, não conseguiu ir até Cartum por causa da guerra civil que já dura 46 anos no país. Nos países africanos, viu crianças passando fome e trabalhando na lavoura. No Sudão e na Etiópia, Charles era perseguido pelas crianças por causa do seu tipo físico – loiro, de olhos azuis, como um típico descendente de alemães e italianos do sul do Brasil.
O que mais marcou sua viagem nos países mais pobres como o Sudão, a Mauritânia, Mali, mas também no Marrocos, foi a receptividade das pessoas. "Elas me levavam para casa, me ofereciam comida, eram muito gentis", recorda. Também os caminhoneiros que davam carona a Charles, normalmente transportadores de ovelhas, muitas vezes o levavam para casa. Se não dormia na casa dos anfitriões, armava sua barraca de acampamento em algum canto e ali dormia. A comunicação acontecia com a ajuda de gestos e expressões. "Quase todos se esforçavam muito para me entender. E eu a eles."
No menu, principalmente no trecho em que andou pelo deserto, muito ensopado de ovelha e de camelo. Saboroso? "Uma hora você se acostuma", sintetiza. "Já na Síria e no Líbano, a comida não é muito diferente dessa árabe que a gente come aqui no Brasil. Muito boa." Para comer e se comportar nas casas das pessoas, observava tudo para não cometer gafes. Entre os muçulmanos, por exemplo, entrava nas casas sempre descalço e comia com a mão direita.
Para ir ao banheiro, nada de luxo. "Na maior parte do tempo, era aquele buraco no chão mesmo", conta. Apenas quando chegou em Marrakesh, no Marrocos, se deu ao luxo de ficar, pela primeira vez, num hotel.
"Em todos os momentos fui fiel à proposta de viver com e como os povos desses lugares: beduínos, árabes, tuaregues, mouros, berberes, núbios e fenícios, entre outros", resume o catarinense. "Estudar as culturas e quebrar preconceitos foram os principais objetivos da minha empreitada."
Viajante profissional
Até 2003, Charles Zimmermann era um funcionário de carreira de uma grande empresa de sua cidade, Jaraguá do Sul, no interior de Santa Catarina. Começou a trabalhar na WEG, fabricante de motores, aos 15 anos. Trabalhou em diversos departamentos e chegou ao de comércio exterior. Foi a necessidade de falar com estrangeiros de todos os cantos que atiçou sua curiosidade sobre os outros países. Aos 30 anos, após 15 anos na empresa, decidiu conhecer o mundo de perto. Pediu demissão e foi para a Ásia. Dois anos depois, encarou o mundo árabe.
Hoje, além de ser um viajante profissional, vive dando palestras sobre suas experiências. Principalmente em universidades. "Falo muito com estudantes dos cursos de jornalismo e comércio exterior. Para o mundo acadêmico, o enfoque é o choque cultural, as diferenças e curiosidades sobre os lugares visitados. Já quando falo em empresa, abordo a questão da convivência e da importância de ser flexível quando se viaja para lugares tão diferentes", explica.
Charles não conta com nenhum patrocínio. Faz a viagem ser extremamente barata, evitando a todo custo ter que pagar passagens aéreas no meio do caminho. Usa como verba o dinheiro das palestras e dos livros. Agora, ele se prepara para a sua mais longa viagem: uma volta ao mundo sobre rodas. Pretende sair já em março de 2007.
A idéia é ir de bicicleta da África do Sul até o Quênia, depois subir até o Iêmen, conhecer os Emirados Árabes Unidos, refazer trechos de sua viagem à Ásia passando pela Mongólia, Indonésia e China. De lá, pegar um trem até Moscou e iniciar o trajeto pela Europa. Por fim, pegar um avião até a América Central, descer até a Venezuela e, finalmente, voltar ao Brasil. Charles calcula a volta para o segundo semestre de 2009. Haja fôlego. E curiosidade de conhecer o mundo.
Contato
Site: www.charlespelomundo.com.br
E-mail: charlesautor@gmail.com