São Paulo – Parodiando o líder norte-americano Barack Obama referindo-se ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva como “o cara”, pode-se dizer que, quando o assunto é gastronomia brasileira, Alex Atala “é o cara”. Talentoso, simpático e dono de um sorriso alegre, esse neto de palestinos e irlandeses rodou o mundo. Ralou lá fora trabalhando até como pintor de paredes, aprendeu a cozinhar, ganhou notoriedade e levou a culinária brasileira ao fechado círculo da alta gastronomia.
Na semana passada, seu restaurante, o D.O.M., galgou 16 posições e passou a ocupar o 24° lugar no ranking das 50 melhores casas do mundo. A lista foi publicada na inglesa Restaurant Magazine. Na parede do seu escritório, em São Paulo, não tem mais espaço para os prêmios conquistados aqui no Brasil. Mas Atala quer mais. Quer que a gastronomia seja um meio de conservar a rica biodiversidade da região amazônica. E teimoso, como ele mesmo se define, tem feito mundo afora esse trabalho de formiguinha, falando e apresentando os ingredientes do Brasil em palestras e encontros. Mas, comecemos pelo começo.
Alex Atala começou a cozinhar por acaso, uma necessidade para quem queria se manter na Europa e precisava de um visto de trabalho ou de estudante, pois seu tempo por lá, sem o documento, tinha expirado. A viagem tinha sido planejada no Brasil. "Coisa de mochileiro querendo conhecer a cultura do Velho Mundo", lembra.
Apaixonado por música, mais precisamente o bom rock, Atala fez as malas e rumou para o continente europeu numa viagem de três meses. No programa, muitos shows. No meio da viagem, no entanto, o rapaz decidiu ficar mais um tempinho. Para se manter, pintava paredes, mas aí surgiu a questão do visto. Na época, estava na Bélgica e um amigo falou de um curso de culinária na Escola de Hotelaria de Namur. Era uma opção. Se inscreveu e deu início à sua trajetória “ajudado” pelas lembranças de infância que iam aflorando à medida que o cozinheiro pisava em cozinhas tradicionalíssimas, como a francesa e a italiana.
Seu avô materno, de origem inglesa-irlandesa, era um exímio caçador e ensinou ao neto truques de caça. O pai, filho de palestinos, pescava. "Quando fui mexer em cozinha, descobri que eu já sabia limpar um frango, cortar um peixe", diz e completa: "Foram momentos que convergiram o histórico de vida com o profissional.”
A memória da culinária árabe também foi ativada, mas pelo lado afetivo. Atala conta que o pai, quando veio da região Centro-Oeste para São Paulo, morou numa pequena pensão com um sujeito, também de origem árabe, que algum tempo depois montou um restaurante, o Bambi, na região dos Jardins, em São Paulo. “E era lá que nós nos reuníamos, era motivo de alegria, de festa irmos no restaurante. Foi no Bambi que comi a primeira kafta da minha vida, o primeiro quibe cru, a esfiha de verdura. E todas as doçarias árabes”, conta. A família ainda morava em São Bernardo do Campo e saía de casa para ir a São Paulo almoçar no Bambi. Foi também no restaurante que Atala conheceu alguns pratos mais exóticos como os testículos de galo, peru. “Era uma coisa muito especial, que só os homens podiam comer”, diz ele.
Escola italiana
Memória ativada, Atala mudou da Bélgica para a França, onde passou trabalhou com chefs renomados. Da terra de Napoleão seguiu para a Milão, na Itália. A idéia na cabeça, segundo Atala, ainda era a de um garoto que queria viajar, conhecer gente, histórias e, claro, música, e tinha encontrado na culinária um modo para se manter na estrada. Mas na Itália, a vida tomou outro rumo. Atala encontrou sua primeira mulher e uma cozinha nova, com novas regras. “Me apaixonei”, diz e sobre a cozinha, completa: “Foi difícil me adaptar, era outra escola.”
Como uma coisa sempre leva à outra, o cozinheiro pensou em voltar para o Brasil, mas tomou uma sacudida da mulher. “Ela disse: você volta, mas sem mim”, conta. Pelo bom discurso da moça e paixão gostosa, ele decidiu ficar mais um pouco e aí a vida mudou novamente. Atala foi promovido pela primeira vez dentro de uma cozinha italiana. Feliz, contou a novidade à esposa e teve a conversa que daria o tom às suas novas empreitadas. “Ela me disse: presta atenção no que te leva para frente na sua vida, no seu talento de verdade”, lembra o cozinheiro. Atala prestou. “Vi que eu sabia cozinhar de verdade, não era mais uma maneira de viver”, completa.
Com uma baita bagagem culinária e a espera do primeiro filho, Atala deixou a Itália e veio para São Paulo em 1994. Passou por alguns restaurantes – uns badalados, outros o nome da vez – e foi se firmando como chef aqui no Brasil. A oportunidade para abrir sua própria casa veio com o restaurante Namesa, que logo caiu nas graças dos descolados da cidade, falava para diversos públicos. O premiado e segmentado D.O.M, inaugurado em 1999, foi uma grande aposta do cozinheiro, que consumiu – e ainda consome – boa parte do tempo e energia de Atala. O público é top, cada detalhe tem de ser cuidado. E não estamos falando somente de comida. Tem os famosos paparazzi, que tentam obter informações “preciosas” sobre personalidades que estiveram na casa, o que comeram, o que beberam. Atitude que Atala não permite, principalmente entre os funcionários.
Otimismo
Com tanto trabalho no D.O.M, o cozinheiro teve de fechar o Namesa, ou deixá-lo arquivado por uns tempos (a ideia de reabri-lo continua na cabeça). Mesmo assim Atala se divide em muitos para coordenar uma equipe de cerca de 200 pessoas. “Por menos centralizador que eu seja, sempre tenho de falar com as pessoas, tomar decisões”, diz ele. “São muitas coisas num dia só, muitas orientações, e ainda tenho de olhar o pão, ver a geladeira etc”, conta. Tantas funções, sobra pouco tempo para cozinhar de verdade. E a vida ficou ainda mais tumultuada esse ano com a abertura do Dalva e Dito, também na região dos Jardins. “Agora são duas casas novamente. Acho que em dois anos, eu consigo organizar tudo e ficar mais tranquilo”, diz Atala otimista, que ainda não tem uma mesa de trabalho e vive com seu laptop debaixo do braço, apoiando no canto mais próximo.
Otimismo que ele leva também quando fala do Brasil e das muitas possibilidades de desenvolvimento para o país. Até o ano passado, o cozinheiro viajava muito conversando com estudantes e profissionais do mundo inteiro sobre os ingredientes do país e como eles podem ajudar a conservar a região amazônica. “Acho que sou reconhecido no mundo por ser brasileiro e não por ser cozinheiro”, diz. Talvez a soma das duas atribuições e a proposta única e inovadora do D.O.M. “Olho o Brasil por um outro viés. Vejo os ingredientes, a cultura, então acho que a cozinha pode sim ser essa ferramenta de conservação”, diz.
Para Atala, para a floresta ser conservada (ele prefere esse termo à palavra preservada), é preciso que ela gere benefícios. E isso será feito por meio da valorização do ingrediente brasileiro. Não a soja, o milho, a cana-de-açúcar (cultivares que Atala reconhece serem necessários, mas chama de desertos verdes por conta de provocarem a “esterilização do ecossistema”), mas pupunha, tucupi, pequi, banana ouro – todos presentes nos charmosos e saborosos pratos que Atala desenha no D.O.M. “A Amazônia é muito rica. Isso todos sabemos, mas o que se tem é uma imagem mental, todo mundo conhece, imagina a silhueta, o que pouca gente conhece é o sabor dos ingredientes de lá”, diz. E é isso que o cozinheiro tem levado ao mundo. Com o glamour da alta gastronomia e o sabor do Brasil, que ainda tem biomas como o Cerrado, a Mata Atlântica, o Pantanal, os Pampas…
Contato
Site: www.domrestaurante.com.br
Tel.: 55 (11) 3088-0761 e 3891-1311