São Paulo – Dois artistas árabes têm obras expostas na 32ª edição da Bienal de São Paulo. O libanês Rayanne Tabet e Alia Farid, do Kuwait, criaram obras exclusivamente para a mostra paulistana. Nos dois casos, seus trabalhos estabelecem relação entre o mundo árabe e o Brasil e com o tema da exibição em cartaz no Parque Ibirapuera, “Incerteza Viva”.
No projeto “Sósia (2016)”, Tabet utilizou o livro “Um copo de cólera”, escrito em 1970 por Raduan Nassar e lançado em 1978. A partir do romance que retrata a tensa relação de um casal, Tabet discute a imigração libanesa ao Brasil. A apresentação do trabalho na Bienal é complexa. Em cima de uma mesa é mostrado um antigo exemplar do livro ao lado de manuscritos da sua tradução para o árabe. Os manuscritos são do professor de árabe da Universidade de São Paulo (USP), Mamede Mustafa Jarouche, responsável pela tradução, cuja previsão de lançamento é o próximo mês, pela editora Al-Kamel Verlag.
Em entrevista por e-mail à ANBA, Tabet afirmou que a história da diáspora libanesa foi sua primeira relação com o Brasil. “A primeira vez que ouvi falar sobre o Brasil foi como um número. Até onde me lembro, soube que eram sete milhões de libaneses vivendo no Brasil. Nenhum a mais, nem a menos: sete milhões exatamente. Sendo que isso representa quase o dobro da população do Líbano, esse número sempre foi usado como a narrativa de uma diáspora exitosa que irá, um dia, voltar para resgatar nosso país de si próprio”, afirmou Tabet.
O artista recorda também que quase recusou o convite para participar da Bienal, em janeiro deste ano. Seu pensamento mudou em um dia em que “revirava” sua mente a respeito do convite, enquanto esperava sua irmã em uma livraria.
“Peguei o livro mais fino que pude encontrar. Era ‘Um copo de cólera’, de Raduan Nassar, um romance escrito por um brasileiro de origens libanesas nos anos 1970, que acabara de ser lançado em inglês. Nunca fora traduzido para o árabe e então pensei como (a obra) soaria na voz de seus ancestrais. O que significaria se trouxesse o texto de volta ao Líbano. E se a diáspora retornasse como uma história que não se parecesse com nenhuma narrativa clássica de sucesso, de riqueza e de anseio por um país perdido. E se retornasse como uma história escrita sob o peso da ditadura militar e tratasse de amor, luxúria e raiva. E se aquelas incertezas do passado pudessem me ajudar a lidar com as incertezas do presente. Foi quando percebi que não poderia evitar essa história e aceitei o convite”, disse.
Duas vezes Niemeyer
Outro diálogo presente na mostra é o proposto por Alia Farid. Natural do Kuwait, a artista vive entre seu país de origem e Porto Rico. Uma das principais características da obra de Farid é analisar o diálogo entre arquitetura e sua inserção no meio urbano. Para a Bienal, não foi diferente. Neste trabalho, a estrela é o arquiteto brasileiro Oscar Niemeyer.
O prédio da Bienal foi projetado Niemeyer, assim como o Parque Ibirapuera e suas construções, em celebração aos 400 anos de São Paulo, em 1954. Faria produziu um vídeo intitulado “Maarad Trablous (“Feira de Trípoli”) nas instalações da Feira Internacional Rashid Karami, na cidade libanesa de Trípoli, local que também foi desenhado por Niemeyer.
Diferentemente do Parque Ibirapuera, que é rico em áreas verdes, o local libanês é formado por 15 construções de concretos e independentes, não concluídas devido à Guerra Civil iniciada em 1975. No vídeo, uma mulher caminha em meio às construções. As imagens dela são interrompidas por cenas de trabalhadores e jardineiros. À ANBA, Farid comparou as cenas da mulher que caminha nas construções a “um vaso oco” que é símbolo, ao mesmo tempo, de esperança e de derrota.
Angústias e desafios
O tema deste ano da Bienal é “Incerteza Viva”, sob curadoria de uma equipe comandada pelo alemão Jochen Volz. A proposta para o tema é vasta e compreende, sobretudo, os desafios que a civilização moderna tem em relação ao futuro. Os curadores já disseram que não esperam respostas nem soluções, mas sim uma profunda avaliação dos artistas a partir do tema proposto.
Entre as diversas obras expostas, os visitantes podem conferir, por exemplo, objetos urbanos que podem ser utilizados para a criação de uma plantação. Tambores e até pneus de caminhões servem como “vaso” no projeto intitulado “Migração, exclusão e resistência”, da portuguesa Carla Filipe.
Outro exemplo que dialoga com o tema proposto pelos curadores é o trabalho da sul-africana Mmakgabo Helen Sebidi. Um dos quadros expostos na mostra, “Lágrimas da África”, retrata os conflitos e a aspereza da relação humana no dia a dia urbano, agravados pela degradação do ambiente familiar. Outras obras dela também estão na mostra e foram desenvolvidas em decorrência de uma residência artística da pintora em Salvador, na Bahia. Esse período resultou em criações que promovem o diálogo entre o Brasil e o continente africano sem, contudo, desmerecer a “Incerteza Viva” que orienta a 32ª Bienal de São Paulo.
Serviço
32ª Bienal de São Paulo – Incerteza viva
Pavilhão da Bienal
Av. Pedro Álvares Cabral, s/nº, Parque Ibirapuera, Portão 3, São Paulo, SP
Telefone +5511 5576 7600
Até 11 de dezembro, 2016
Terça-feira, quarta-feira, sexta-feira, domingos e feriados: das 9h às 19h (entrada até 18h)
Quinta-feira e sábado: das 9h às 22h (entrada até 21h)
Fechado às segundas
Entrada gratuita