Isaura Daniel
São Paulo – Na base da montanha de Jebel Hafeet, nos Emirados Árabes Unidos, um grupo de pesquisadores de sete países passa os seus dias trabalhando pela sobrevivência do tahr árabe, uma espécie de cabra selvagem da região ameaçada de extinção. O idioma usado entre o grupo é o inglês, mas se alguém fizer uma pergunta em português, um deles vai responder. Entre sul-africanos, poloneses, iraquianos, tchecos, sudaneses e russos está o brasileiro Eduardo Antunes Dias, veterinário que saiu da cidade gaúcha de Pelotas para usar seu conhecimento na preservação de uma espécie quase desconhecida no Brasil.
O veterinário está há dez meses trabalhando para o Management of Nature Conservation (MNC), instituto de pesquisa criado pelo governo dos Emirados há um ano e meio para a preservação dos ungulados selvagens, linhagem da qual o tahr faz parte. A sede do centro fica na cidade de Al-Ain, no emirado de Abu Dhabi, ao pé da montanha que já foi muito usada pelo tahr como habitat. Dias foi convidado para trabalhar no instituto pelo vice-diretor do MNC, Geer Schres, com quem o gaúcho teve contato durante as suas pesquisas acadêmicas sobre reprodução de animais selvagens e conservação de espécies.
Dias é formado em veterinária pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e fez mestrado e doutorado na Universidade de São Paulo (USP). O que chamou a atenção do vice-diretor do MNC foi justamente a pesquisa do brasileiro sobre as técnicas não invasivas no estudo do processo hormonal dos animais. No MNC, Dias atua como endocrinologista e é chefe do Laboratório de Análises Hormonais. Na prática, o que o gaúcho de Pelotas faz é pesquisar as características hormonais do tahr, como, por exemplo, o tempo do seu ciclo hormonal, o seu período de cio, a interferência das estações climáticas nele, o tempo de gestação.
A diferença é que em vez de fazer isso por meio de coleta de sangue, o pesquisador o faz pela coleta das fezes do tahr. Por isso a técnica é chamada de não invasiva. Participam do projeto 42 animais que vivem em cativeiro no próprio MNC. Também são pesquisados três animais que vivem soltos, os únicos tahrs que ainda moram na montanha de Jebel Hafeet. Os animais estão em cativeiro justamente para que ali seja feita a sua reprodução assistida. As técnicas usadas são a fertilização in vitro e a inseminação artificial. De acordo com Dias, a idéia é que mais adiante esses tahr sejam devolvidos à natureza.
A vida dos ungulados
Como o instituto é novo, foi o próprio Dias quem montou o Laboratório de Análises Hormonais. Isso, aliás, foi um dos fatores que atraiu Dias para o país. "Eles me deram a possibilidade de montar o laboratório de endocrinologia como eu que quisesse", afirma. Apesar da experiência como pesquisador e veterinário, Dias tem apenas 34 anos e se define muito motivado também pelo próprio desafio da conservação dos ungulados. "Tenho muita paixão por isso. Ajudar espécies que não têm muitas chances no mundo de hoje", afirma.
O tahr gosta de viver em regiões pedregosas nas montanhas, onde se alimenta da vegetação. A espécie acabou ameaçada de extinção por causa da perda do seu habitat, já que os humanos acabaram indo morar também nas montanhas, e pela caça, porque a carne do animal é consumida. O animal também passou a ter que disputar o seu alimento com as cabras domésticas, que se expandiram. De acordo com o veterinário brasileiro, antes de voltar às montanhas, os tahrs que estão em cativeiro terão que ser readaptados à vida na natureza. Muitos deles – 12 – nasceram no próprio MNC.
Planos para o Brasil
Dias pretende ficar pelo menos três anos nos Emirados. "A logística e a infra-estrutura daqui não têm igual", afirma, referindo-se principalmente aos recursos disponíveis para a realização do trabalho. Um dos seus desejos, porém, é montar no Brasil um instituto voltado para reprodução assistida de espécies em extinção. "Não existe nada centralizado no Brasil nesta área", diz. Dentro deste projeto, um dos trabalhos seria a criação de um banco de material genético das espécies animais brasileiras.
Enquanto esse dia não chega, porém, Dias vai trabalhar para garantir o futuro dos filhos e netos dos tahrs que vivem nos Emirados. O gaúcho se mudou para o país acompanhado da mulher, Daniela, com quem se casou um pouco antes de viajar, e diz que não encontra dificuldades em viver em um país tão distante do Brasil.
"O choque cultural não foi tão grande. Os Emirados são um país aberto, a população respeita muito o modo de vida dos ocidentais", afirma. A cidade de Al-Ain, onde o casal vive, tem cerca de 350 mil habitantes. No supermercado local, segundo Dias, tem até pão-de-queijo e erva-mate para o chimarrão, o que o faz sentir mais próximo do Brasil.