São Paulo – Inicialmente previsto para durar cerca de 10 anos, o Projeto Amenenhet, chefiado por brasileiros, já não tem mais data para acabar. Em 10 de janeiro de 2019, o grupo de pesquisadores coordenado na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) segue novamente para o Egito, para sua terceira etapa de campo. “Estamos iniciando o terceiro ano e não vejo mais um horizonte final. É um projeto de longo prazo. Não só o potencial da tumba era muito maior do que imaginávamos, mas também descobrimos dois poços funerários e uma sala anexa a ela”, revela o professor José Roberto Pellini, do Departamento de Antropologia e Arqueologia da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (Fafich), da UFMG.
Por cerca de 50 dias, os profissionais trabalharão na primeira fase das escavações da Tumba Tebana 123 (TT 123), na Necrópole de Luxor, no Egito. Pellini participou da criação do projeto, do qual é coordenador, e que surgiu em 2015. É ele também que coordena o Programa Arqueológico Brasileiro no Egito (Bape, na sigla em inglês), ao qual o projeto pertence. As duas primeiras etapas de campo, em 2017 e 2018, foram para reconhecimento das tumbas e para superar problemas como a quantidade muito grande de blocos que não pertenciam àquela tumba, e inclusive impediam o livre caminhar.
Antropologia e o olhar do povo
Em 2019, a equipe contará com 18 pessoas, entre pesquisadores brasileiros, egípcios, franceses e argentinos. São geólogos, egiptólogos e antropólogos. Mas, por quê incluir a antropologia em uma missão que vai escavar tumbas egípcias? “Vamos lidar diretamente com a população. Isso é uma inovação do projeto brasileiro. Antes, muitas populações de Luxor utilizavam as tumbas como casa. Em 2006, 10 mil pessoas foram tiradas da Necrópole em nome da ciência e do turismo, e realocadas em outra vila”, relata Pellini.
Agora, a ideia é que o trabalho possa jogar luz sobre os olhares dos próprios moradores da região. “O professor de antropologia, Rogério Duarte do Pateo, está indo para coordenar e trabalhar junto com o pessoal de Córdoba (Argentina) esse aspecto. Quando criamos o projeto brasileiro, desde o início colocamos isso para incluir a população que vivia aquela coisa arqueológica de outra forma. Existem outras realidades ali”, diz Pellini.
Esta vai ser a primeira etapa do projeto a incluir o estudo antropológico em campo, um dos diferenciais brasileiros. “Vamos entrar em contato com a população para que eles venham à tumba, mostrem o olhar deles. É um paralelo, com discursos alternativos ao científico. Como outras pessoas pensam o que nós chamamos de ‘arqueológico’?”, questiona o arqueólogo.
Com o novo desdobramento, a pesquisa avança para a prática e para a cultura. “Há dois anos não imaginava que fosse crescer tanto. Hoje, temos três projetos: arqueológico, antropológico e cultural. Temos todos pensando a parte cultural. Principalmente os antropólogos, que vão costurar esse elemento cultural”, completa.
Dentro disso, os pesquisadores querem trazer a arte como forma de expressão. “Temos um trabalho cultural que está ainda em fase inicial e tem como objetivo criar outras narrativas para a tumba. A científica é só uma das possíveis. Aquilo não é só tumba. Assim como foi residência no passado, tem outras possibilidades”, analisa. O projeto que ele cita é o Olhares e Percepções, iniciativa que levará fotos feitas nas tumbas, em janeiro, a uma exposição.
Primeiras escavações
A escavação propriamente dita começa efetivamente em janeiro. “A tumba mostra muito material, muito bem preservado. A expectativa é grande. É uma tumba que nunca foi trabalhada. Vamos com muita calma. Tem essas três grandes estruturas. Aparentemente são pequenas, mas podem se revelar gigantescas. A gente não sabe se tem porta para outra sala. Não temos como visualizar essa estrutura. Esse janeiro vai ser bastante importante”, destaca Pellini.
A primeiro a ser escavada é a Tumba Tebana 123 (TT 123), que apresenta dois poços funerários, um deles dentro da tumba e outro do lado de fora, só descoberto no ano passado. Em 2019, eles começam a escavação pela sala anexa à tumba. “Está completamente cheia de sedimento. E em meio ao sedimento, sabemos que tem muito objeto arqueológico. Já conseguimos ver duas múmias, vasos e um sarcófago”, revela.
Pellini acredita que a tumba tem potencial muito grande pela localização. O entorno nunca foi escavado e eles querem expandir para entender o posicionamento da tumba na Necrópole. Outra meta é criar um modelo virtual da tumba em 2022. O Projeto Amenenhet conta, ainda, com uma segunda tumba, a TT 368, que será escavada em etapas futuras.
O trabalho começou na Universidade Federal de Sergipe, que segue com profissionais na equipe, e busca incluir outras instituições, como a Universidade Federal de Pelotas (UFPel), do Rio Grande do Sul. “O objetivo é desenvolver a arqueologia e egiptologia no Brasil. Tanto é que o sítio funciona como um sítio-escola. Dar oportunidade a quem trabalha com Egito e Mesopotâmia de maneira prática.” Para atingir esse patamar, o projeto quer trabalhar cada vez mais com estudantes, e até 2020 ter boa parte da equipe de alunos de pós-graduação e graduação.
A viagem de 2019 deve terminar em 28 de fevereiro. “Vamos estar fechando uma primeira grande etapa de escavação! Muita coisa deve surgir. A ideia é que ao longo da escavação a gente consiga manter todo dia registros, ou ‘lives’ na página do projeto no Facebook”, conclui o professor.