São Paulo – O diplomata José Mauro Couto assume a embaixada do Brasil em Cartum em setembro. Vindo do Ministério da Integração Nacional, Couto, que tem 55 anos e é carioca, terá no Sudão a sua primeira missão como embaixador. Os planos são muitos. Ele quer intensificar a cooperação agrícola para que mais empresários brasileiros possam plantar e desenvolver projetos por lá, talvez até com financiamento árabe. Também gostaria de ver pequenos produtores sudaneses comprando equipamentos do Brasil, com crédito e treinamento nacional, e vai trabalhar para que brasileiros e sudaneses estejam mais próximos também no setor sucroalcooleiro.
Está no planejamento de Couto ainda levar capacitação técnica para que jovens e mulheres sudaneses tenham mais chances de trabalho e empreendedorismo, e ajudar os museus locais a valorizarem o seu acervo. O diplomata deve chegar ao país árabe no dia 17 de setembro e vai morar lá com a família. Os filhos farão trabalho voluntário, conta ele.
Nesta segunda (25) e terça-feira (26), Couto tem encontros com empresas e entidades brasileiras na sede da Câmara de Comércio Árabe Brasileira, na capital paulista. O objetivo é conversar com representantes delas sobre ações que possam ser desenvolvidas no país árabe.
Leia abaixo trechos da entrevista que Couto deu à ANBA:
ANBA – Como foi a sua carreira diplomática até agora?
José Mauro Couto – Eu já servi em muitos postos. Tenho 35 anos de Itamaraty e essa é a minha primeira chefia de embaixada. A minha carreira, tanto no Brasil quanto no exterior, sempre se centrou muito em negociação comercial e promoção comercial – nas embaixadas, no Itamaraty e também no Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC). E daí a importância e a oportunidade de desenvolver atividades para as quais estou hoje aqui, com o apoio da Câmara de Comércio Árabe Brasileira, para fazer esse exercício de aproximação entre o Sudão e o Brasil.
O trabalho mais voltado para a área econômica foi uma escolha?
Foi uma circunstância. A circunstância me levou a me especializar neste campo. Eu me formei em Direito, logo depois fiz um mestrado em Relações Internacionais na Universidade de Boston. Mas quando eu cheguei com essa bagagem toda de advocacia e ciência política, não havia vaga na embaixada da Alemanha para desenvolver esse tipo de atividade. Então o embaixador me pediu que eu fosse trabalhar na promoção comercial. A embaixada ficava em Bonn, mas o setor de promoção comercial ficava localizado em Colônia. A cidade sempre foi um local especial para promoção comercial porque as cidades alemãs são entroncamentos de rotas de comércio, de tecidos, de bens de maior valor agregado, com o sul trazendo especiarias e o sal desde a Idade Média. Colônia tem uma importante feira que é Anuga, de alimentos, e feiras de móveis e tantos outros produtos. Foi lá que eu descobri essa veia para falar em público, ter contato interpessoal e apresentar uma dimensão um pouco mais concreta da nossa diplomacia, que é a diplomacia comercial.
De onde o senhor vem agora?
Eu trabalhei no MDIC por oito anos e depois eu fui trabalhar no Ministério da Integração Nacional, onde desenvolvi principalmente uma atividade de cooperação na área de técnicas de irrigação. O Ministério da Integração Nacional foi criado pelo Celso Furtado para tentar aproximar a diferença da renda per capita do Nordeste, do Norte e também do Centro-Oeste do País, da média nacional, que é 60% mais elevada. Nós íamos com frequência ao exterior para aprender. Recebíamos com frequência também delegações da América Latina, África e do Oriente Próximo interessadas em saber como nós, por exemplo, fazemos a transposição de águas do Rio São Francisco, que é uma obra do ministério.
E como surgiu a oportunidade de ser embaixador do Sudão?
Me foi oferecido. Eu tinha pretendido retornar ao Itamaraty para chefiar um departamento. Enquanto eu aguardava uma oportunidade, me foi oferecido o Sudão, que eu já conhecia e eu prontamente aceitei. Na realidade o desafio de trabalho que eu terei no Sudão se aproxima, em grande medida, de um bom trabalho de promoção comercial. Eu vou colher os frutos do trabalho muito bem executado dos meus antecessores. A embaixada é relativamente jovem, foi inaugurada em 2006 apenas, e meus antecessores fizeram um trabalho de demonstração ostensiva do engajamento político do governo brasileiro em promover o bem estar social e o crescimento político do Sudão.
Nós temos uma dívida social histórica em relação à África e temos também um exercício antropológico, social, a ser desenvolvido entre o Brasil e a África. O IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) conseguiu conhecer no seu último levantamento que 53% da população brasileira havia declarado alguma ascendência africana. Quando os brasileiros procuram pela África, eles muitas vezes vão atrás de uma raiz que desconhecem. E ao chegar, por exemplo, ao Sudão, eles acabam descobrindo um país que, sim, está precisando de um apoio, de ajuda para alcançar o patamar de desenvolvimento que o Brasil alcançou, mas que tem uma história de oito mil anos, que tem uma civilização que tangivelmente você consegue perceber nas ruínas de várias cidades que são patrimônio da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), que estão localizadas no Vale do Nilo, que tinham uma escrita própria além dos hieróglifos herdados do Baixo Egito, hoje Delta do Nilo. Ou seja, eles tinham uma escrita própria que ainda está por ser totalmente desvendada, cujos símbolos eram o elefante e o leão. Isso é fascinante. Para pessoas que procuram pelo Sudão e descobrem que talvez possam ter vindo do Sudão, o país é uma grata surpresa. É muito fácil dizer eu sou de origem africana, mas não seria muito mais interessante saber de que região eram seus antepassados, fazer uma pesquisa de DNA, saber de qual país [veio]? Os europeus sabem, ‘sou de descendência italiana, alemã’, mas na África é mais difícil em função da situação em que vieram os africanos para cá. Os brasileiros que retornam ao Brasil do Sudão com este conhecimento ficam extremamente orgulhosos, orgulhosos até diante das perspectivas, do futuro do Sudão.
Por que são boas essas perspectivas?
O Sudão passou por uma cisão violentíssima em 2011 com o Sudão do Sul, resultado de um plebiscito. O Sudão do Sul tornou-se independente em julho de 2011 e ainda está tendo dificuldade de conseguir sua estabilidade política, mas ela chegará em algum momento. E o Sudão planeja ser um celeiro do mundo árabe e também da África. O Sudão tem território. Apesar de ter perdido 30% do seu território, por ocasião da independência do Sul, ele ainda continua sendo o terceiro maior país em superfície da África e é um país que tem água. Tem água porque tem três Nilos, o Nilo Azul, o Nilo Branco e o Nilo. O Nilo, 80% das águas vêm do rio Azul, que é apenas da Etiópia e do Sudão. E com isso, há uma região Mesopotâmica entre Branco e o Azul no Sudão extremamente fértil, além de um potencial de irrigação imenso que essas águas trazem. É um país topograficamente plano, há agricultores brasileiros já desenvolvendo projetos lá com grande sucesso. Por conta disso, eu quero crer que o trabalho que eu poderei desenvolver lá será de aprofundamento do conhecimento recíproco entre o Brasil e o Sudão, das potencialidades que existem nas duas pontas e, sobretudo, de incitação dos empresários e governantes para que se desloquem até o Sudão e conheçam melhor o país e se deem conta das oportunidades que lá existem. Claro que os países árabes, sobretudo aqueles que dispõem de recursos em maior quantidade, Catar, Emirados, Arábia Saudita, Kuwait, são países que já descobriram o Sudão, já estão financiando projetos de diversa ordem e podem financiar projetos, inclusive, com a participação de instituições e empresas brasileiras, além de outras instituições internacionais financeiras que também poderiam financiar.
Eu diria que, além disso, claro, existem nichos específicos. Eu vejo boas oportunidades no setor de pecuária, eles têm um rebanho bem interessante e querem verticalizar a produção. Ou seja, precisam melhorar a qualidade do rebanho porque a quantidade eles já têm. Eles têm território para explorar e gostariam que frigoríficos brasileiros se instalassem lá em cooperação com eles para desenvolver esse setor. Além disso, há também o setor de carne de frangos, de grãos, cana-de-açúcar. Eu estou indo depois desta minha curta estada em São Paulo ao interior de São Paulo, a uma feira, a Fenasucro, onde vou estar com uma delegação sudanesa que visitará o interior do estado para conhecer e adquirir equipamentos da indústria sucroalcooleira brasileira. Já temos uma usina da Dedini operando no Sudão, ela produz álcool e açúcar, exporta etanol para a Suécia. E eles vêm ao Brasil para adquirir talvez equipamento do setor que tem a perspectiva de se tornar o mais dinâmico da nossa relação no curto prazo, o de bens de capital para a indústria sucroalcooleira.
Esse movimento de brasileiros que estão indo ao Sudão produzir é o melhor modelo para o Brasil ajudar o Sudão?
Nós não descartamos nenhuma geometria que seja necessária para promover o desenvolvimento do país. Teremos uma geometria variada para promover o desenvolvimento do Sudão e aumentar o patamar de cooperação entre os dois países. Nós temos essa dimensão do empresariado de produção agrícola em grande escala, como é caso do setor sucroalcooleiro, também temos o caso do Gilson Preço, presidente da Abraça (Associação Brasileira dos Produtores de Algodão), que lá produz algodão, soja, feijão, sorgo, arroz, mas também temos a dimensão da agricultura para o pequeno produtor. Existe um programa que está sendo já implementado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário, chama-se Mais Alimentos e prevê a exportação de equipamentos e treinamento de agricultores familiares na África. Há programas já em funcionamento no Quênia, na Tanzânia, e eu gostaria muito que o Sudão pudesse ser o próximo país a se beneficiar. Exportamos o equipamento, financiamos e treinamos os pequenos produtores para usar bem esse equipamento, esse trator.
Além da área agrícola, qual é sua expectativa com o Sudão?
Há muita coisa a ser desenvolvida. Naturalmente há todo um trabalho de apoio institucional ao Sudão, que passará em abril por um processo eleitoral. Recentemente esteve no Brasil uma delegação das autoridades eleitorais que vão organizar essa eleição, eles ficaram muito interessados, orgulhosos em saber que no Brasil, um país em desenvolvimento, existe um patamar de desenvolvimento tão elevado na realização de eleições. Sinal de que eles confiam nas nossas instituições e acham que neste campo também podemos ajudar o Sudão.
Também há uma grande preocupação nossa de trabalhar com eles diversos campos da área social. E aí eu falo de “empoderamento” dos jovens, das mulheres. Os jovens sem oportunidades muitas vezes migram das zonas rurais para as cidades e provocam desequilíbrios sociais. As mulheres ainda sofrem com algum preconceito, em alguma situação peculiar de alguns países muçulmanos, com menos perspectivas de avançar profissionalmente do que os homens. Queremos trabalhar essa dimensão e criar programas sociais que possam trazer a eles técnicas já usadas no Brasil de empreendedorismo via Sebrae, de pesquisa agrícola via Embrapa, de criação de escolas técnicas para promover esse empreendedorismo via Senai, de avançar na questão do programa Mais Alimentos.
Planejo visitar o Museu da Quinta da Boa Vista, no Rio de Janeiro – …coisa de carioca, talvez…(riso) -, para que o museu coopere com o museu de Cartum para poder valorizar um pouco mais as peças que estão lá expostas, que acho que merecem mais atenção. O Brasil está ficando craque em curadoria, em apresentação e valorização das peças de arte.
O senhor conhece bastante o Sudão pelo visto. O senhor já esteve por lá?
Eu tive a sorte de poder trabalhar com a Câmara Árabe nestes anos em que eu estive no MDIC, com muita frequência na época da presidência do senhor [Salim] Schahin. Nós fizemos, se não me engana a memória, três viagens com o 707, [avião] da Força Aérea Brasileira (FAB), e levamos cem empresários em cada uma destas viagens. A última delas foi a mais longa e a mais trabalhosa, fizemos Síria, Irã, Catar, Kuwait, Arábia Saudita e Emirados Árabes. E se já não fosse suficiente, eu fui convidado pelo meu chefe, o então ministro Miguel Jorge [do MDIC] a estender a minha estada ao Sudão. Com cerca de uma dúzia de empresários, fui ao Sudão no finalzinho de 2010. De lá para cá segui em contato com o embaixador, fui me alimentando com informações sobre o país e quando me ofereceram a oportunidade de ser o representante do Brasil no Sudão, eu aceitei rapidamente.
E a questão política?
Nós já resolvemos a questão política, impedimos que os Estados Unidos pudessem levar as Nações Unidas a promoverem uma série de sanções que eles próprios impõem ao Sudão e que, de alguma forma, não estão ajudando o país a promover o seu desenvolvimento. A outra dimensão da nossa relação ocorreu em maio, quando nós perdoamos a dívida que o Sudão tinha com o Brasil em 90%. Eles tinham uma dívida de US$ 40 milhões e nós perdoamos US$ 36 milhões. Nós estamos aí demonstrando tangivelmente que apreciamos a postura que os sudaneses têm adotado e queremos muito ser amigos do Sudão nessa trajetória que estão desenvolvendo para promover o bem estar do povo deles.
O senhor viajará sozinho ao Sudão?
Eu estou levando minha família, mulher e filhos.
E o que a sua família está achando disto?
Eles estão achando ótimo. Minha mulher é veterinária, meus filhos já terminaram os estudos deles, têm intenção de fazer um ano de trabalho voluntário. E eles estão indo passar um ano comigo fazendo esse trabalho voluntário e conhecendo uma realidade diferente da nossa.