São Paulo – O comércio do Brasil com o mundo árabe aumentou significativamente nos últimos dez anos, os investimentos de uma região na outra já acontecem e o fluxo de turistas cresce. Mas os empresários brasileiros e árabes querem mais, as lideranças e diplomatas também. As dificuldades para registro de produtos, burocracia na emissão de certificações e vistos e a falta de acordos para proteção de investimentos são alguns dos entraves que precisam ser vencidos para fazer a relação entre Brasil e países árabes crescer e foram apontados nesta quarta-feira (4) no Fórum Econômico Brasil-Países Árabes, em Brasília.
O encontro ocorreu na sede da Confederação Nacional da Indústria (CNI) os empecilhos levantados para o avanço das relações das duas regiões resultarão em um documento que será encaminhado ao governo brasileiro e aos governos dos países árabes, por meio das embaixadas delas no Brasil. Do fórum participaram empresários brasileiros e árabes, representantes de entidades como CNI e Câmara de Comércio Árabe Brasileira, profissionais do governo brasileiro, além de diplomatas das embaixadas árabes no Brasil.
Entre os palestrantes era consenso que os laços comerciais e de negócios entre Brasil e mundo árabe foram reforçados nos últimos anos. O presidente da Câmara Árabe, Marcelo Nabih Sallum, lembrou que em 2001 o então secretário-geral da Liga Árabe, Amr Moussa, afirmou, em um fórum Brasil-Países Árabes, no Rio de Janeiro, que o fluxo de comércio não atendia ambas as partes. De lá para cá, no entanto, ele cresceu 380%, passando de US$ 5 bilhões para US$ 25,9 bilhões no ano passado, lembrou o presidente da Câmara Árabe.
O presidente da CNI, Robson Braga de Andrade, afirmou que esse comércio é ainda muito concentrado em commodities, do lado da exportação brasileira, e petróleo, nos embarques árabes para o Brasil. “Precisamos agregar valor a essas trocas comerciais”, disse Andrade. Algo parecido foi mencionado pelo decano do Conselho dos Embaixadores Árabes no Brasil e embaixador da Palestina, Ibrahim Alzeben. “Temos muito mais que petróleo e alimentos, temos serviços, inteligência humana, turismo, investimentos”, afirmou o diplomata.
O embaixador do Egito e presidente do Comitê Econômico do Conselho dos Embaixadores Árabes, Hossameldin Mohamed Ibrahim Zaki, lembrou que o Brasil tem um mercado enorme e os países árabes precisam aproveitar essa oportunidade e vice-versa. “Os países árabes também constituem um enorme mercado, com 300 milhões de consumidores, que atrai a atenção do mundo por seu poder de financiamento de compras”, disse Zaki.
Comércio
Algumas empresas brasileiras que têm relações comerciais com o mundo árabe falaram sobre os seus negócios e também empecilhos neste fluxo. O Grupo JBS-Friboi, indústria brasileira de carnes e maior produtora de proteína animal do mundo, vem aumentando suas vendas externas e grande parte desse crescimento vem do mercado árabe. Segundo o gerente de exportações da companhia, Rada Saleh, algumas mudanças ajudariam a vender ainda mais. “Alguns países permitem que certos produtos entrem e outros cortes (de aves) não”, referindo-se ao fato de algumas nações comprarem apenas frangos inteiros. “Perdem a oportunidade de importar produto de excelente qualidade com preços competitivos”, afirmou. A opinião foi compartilhada pelo presidente da União Brasileira de Avicultura (Ubabef), Francisco Turra, também falou no Fórum Econômico Brasil-Países Árabes.
Saleh, do JBS-Friboi, lembrou da demora que há para resolver barreiras sanitárias entre as regiões, caso do fechamento do mercado que houve para a carne bovina brasileira em função da suspeito do mal da vaca louca em um animal Paraná. Segundo ele, mesmo ficando provado que o problema não houve, ainda alguns países árabes não liberaram a importação da carne.
Turra pediu ainda que fossem menos complicados os processos de exportação, com exigência de várias certificações, onerando o produto. “Poderiam ser mais simples”, afirmou. A Câmara Árabe emite documentos e certificado para exportação de produtos brasileiros ao mundo árabe e segundo o seu diretor-geral, Michel Alaby, a entidade está trabalhando para tornar o processo online, o que agilizará o processo.
O diretor superintendente da Vicunha Têxtil, Marcel Yoshimi Imaizumi, falou das várias tentativas que a empresa fez em travar parcerias comerciais com países árabes, sem sucesso. Ele listou vários entraves a serem vencidos como o desconhecimento da região, desde a barreira da língua e costumes diferentes, a complexidade que há no mundo árabe em função da diversidade de leis e fiscal em cada país, além da mudança de interlocutores, provocada pelas mudanças de governo, entre outros.
A empresa farmacêutica EMS também apresentou sua experiência com os árabes. A companhia fatura R$ 3 bilhões ao ano e exporta para 30 países, mas as vendas externas não chegam a 2% da receita. “Nossas exportações para o Oriente Médio são muito tímidas ainda”, disse o gerente de Desenvolvimento de Negócios da SEM, Flávio Pereira de Magalhães. Segundo ele, as exigências regulatórias dificultam a entrada dos produtos, em função da falta de comunicação entre as agências reguladoras do Brasil e países árabes.
Alaby lembrou que problema semelhante enfrentem os árabes para vender seus produtos no Brasil, já que o País não aceita vários registros dos países árabes. Ele citou o caso do azeite de oliva, para cuja importação os órgãos reguladores da área no Brasil exigem que haja verificação in loco sobre o produtor no país de origem, o que dificulta as compras.
Investimentos
E os investimentos? Fluem adequadamente? Para eles também há entraves, mas não o suficiente para impedir que companhias brasileiras como a Marcopolo montassem operações no mundo árabe, no Egito, e nem que a companhia de Dubai, a DP World, fincasse seu braço no Terminal Embraport, em Santos. O diretor comercial da Embraport, Michael M. da Silva, falou sobre a aceleração de investimentos que houve nos portos depois da formulação da lei do setor, de 1993, e agora de uma nova lei, deste ano, que deve aumentar mais esse fluxo.
Silva relatou, porém, as dificuldades com a obtenção das várias licenças, primeiro para as obras e depois para o início da operação. Segundo ele, nesta segunda fase são 16 no total, que começaram a ser pedidas nove meses antes do prazo previsto para o começo das atividades para que estivessem prontas no tempo certo. Em algumas áreas, como instalação de energia elétrica, a própria empresa teve que se fazer cargo para acelerar o processo. E a Embraport ainda enfrenta problemas com estivadores que não querem deixar de trabalhar no local. Segundo Silva, é imprescindível que o estrangeiro tenha um parceiro forte e influente no Brasil. A DP World, no caso, divide o projeto com a Odebrecht Transport. “Também é preciso saber que o processo custa caro”, disse, sobre o investimento.
O gerente de Operações Comerciais para o Mercado Externo da Marcopolo, Ricardo Portolan, afirmou que a empresa resolveu investir em outros países quando percebeu que não seria mais tão competitiva enviando seus produtos do Brasil. A empresa tem uma unidade produtiva no Egito. Segundo Portolan, as barreiras do idioma e do conhecimento acabaram sendo transpassadas com o tempo. E a situação de mudança política no Egito foi vista como passageira, enquanto que a estratégia da empresa para o país é de longo prazo.
Também a Votorantim Cimentos, que tem produção no Marrocos, apresentou a sua história com o mundo árabe. De acordo com o diretor de Agregados da empresa, Fernando Lohmann, é importante para o investidor que haja clareza de regras para ele possa saber exatamente o que deve fazer para as licenças serem obtidas. Lohmann contou que a Votorantim recebeu, assim que chegou ao país, a oferta de assistência do governo para sua expansão.
O moderador do painel sobre investimentos, advogado e professor da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, Rabih Nasser, lembrou que os investimentos estrangeiros diretos no Brasil saíram de US$ 18,7 bilhões em 2002 para US$ 65 bilhões em 2012, e que os investimentos brasileiros no exterior foram de US$ 2,3 bilhões para US$ 13,7 bilhões no mesmo período. “Mas a presença dos árabes é muito pequena nas duas mãos”, disse ele, ressaltando o consenso que há de que isso deve mudar.