São Paulo – Quem lê o nome de uma das maiores redes de lojas de brinquedos do Brasil, a Ri Happy, normalmente não tem ideia de que aquelas palavras fazem referência a um neto de libaneses e à sua felicidade. O “Ri” vem de Ricardo e “Happy” quer dizer feliz em inglês. É de um descendente de árabes, Ricardo Sayon, a fundação da Ri Happy e a transformação da rede, na década de 1990, em um fenômeno na venda de brinquedos no País.
Médico pediatra de formação, Sayon é um daqueles casos de descendentes de libaneses que escolheu uma profissão diferente do pai e do avô – típicos homens de negócios -, mas no decorrer da vida acabou se rendendo ao talento para o comércio. Mesmo tendo se desfeito da Ri Happy em 2012, ele segue na carreira de empresário, hoje voltado para shopping centers.
De um escritório na capital paulista, Sayon cuida dos shoppings Rio Claro, que fica na cidade do mesmo nome, e Pátio Pinda, no município de Pindamonhangaba. Ele também é investidor no Shopping de Bauru, além de ter negócios em incorporações imobiliárias e em hotelaria. Sayon conta que nos shoppings gosta de planejamento e marketing, mas se lojistas pedem desconto, se há novas propostas de locação ou demandas do tipo, também é com ele.
A vida agora se mostra tranquila diante da história de vida movimentada do fundador da Ri Happy, que também foi um médico muito bem-sucedido. Ele mesmo admite, quando fala de sonhos, que não tem mais grandes projetos a longo prazo ou ambições: “Quero viver em paz. Que minhas filhas sejam felizes, que meus netos tenham saúde”, afirma.
Sayon tem 66 anos e se diz realizado. E a afirmação é fácil de entender quando ele começa a contar sua trajetória. A vontade que Ricardo Sayon tinha de ser médico casou com o posicionamento do seu pai, que não queria que os filhos participassem dos negócios. O pai de Sayon atuava no comércio e na indústria, em áreas tão distintas como tecidos e turbogeradores, e era piloto nas horas vagas. Fazia acrobacias aéreas. Ele acreditava que o Brasil seria comunista e por isso queria que os filhos investissem em conhecimento.
“Nós éramos obrigados a estudar porque ele acreditava que o mundo seria comunista”, conta Sayon. O pai achava impossível que as diferenças muito grandes entre ricos e pobres perdurassem muito tempo. “Ele achava que dinheiro corrompia, então a gente não podia participar dos negócios, ganhar dinheiro, tinha que estudar e se formar bem”, diz. O caminho do filho caçula, admirador do Dr. Kildare na infância, foi a Universidade de São Paulo (USP).
Ricardo Sayon atuou 16 anos na pediatria, trabalhou em órgãos públicos e institutos da área, deu aulas na universidade. Quando largou a medicina, era um médico de atendimento particular com sala de espera lotada.
Como pediatra, Sayon já mostrava o tino empreendedor. Fez um playground no consultório para que a ida ao médico deixasse de ser amedrontadora para as crianças. “Eu dava brinde, ia na (rua) 25 de Março e comprava língua de sogra, apito. O problema não era as crianças irem no meu consultório, era saírem”, conta, animado.
A vida de empresário começou com o recebimento como herança de um terreno onde ficava um estacionamento. Conversando com um amigo, Roberto Saba, sócio de Sayon até hoje, eles resolveram tocar o estacionamento e fazer o que era inovador para a década de 1980: emissão de tickets e controle de mensalistas pelo computador. Saba tinha um bureau de informática e os dois viraram parceiros nos dois negócios. Ali nasceu uma rede de estacionamentos, a Pare Bem, que também foi vendida por Sayon mais adiante, há cerca de quatro anos. O bureau acabou fechando mais tarde com a popularização da informática.
A Ri Happy foi criada porque Ricardo Sayon tinha um imóvel desocupado na rua Pamplona com a Lorena, em São Paulo, que já tinha dado muitas despesas e dores de cabeça. A joalheria que ficava lá faliu e o bem ficou interditado por cerca de um ano. Irritado com a situação, quando o local foi liberado Sayon pediu que a sua mulher, a fonoaudióloga Juanita Sayon, abrisse algum negócio no local. Ela inaugurou uma loja de brinquedos e colocou o nome “Ri Happy” para o marido ficar feliz. O amigo Roberto Saba também se uniu ao projeto.
Sayon seguia com a pediatria, mas em 1991 a sua Ri Happy tinha quatro lojas e não ia bem financeiramente. “O dinheiro que a Pare Bem ganhava, a Ri Happy gastava tudo e mais alguma coisa”, conta o empresário. A decisão era por fechar a rede e Sayon foi até a indústria de brinquedos Estrela na intenção de devolver produtos. Lá recebeu o conselho de um executivo para abrir mais lojas – e boas lojas. Sayon aceitou o desafio e decidiu deixar de lado a medicina por uns tempos. “Falei: bom, vou lá, fico seis meses, resolvo tudo e volto”, conta.
Depois de uma conversa com o sócio e a funcionária Maria Cecilia do Nascimento, professora que virou diretora operacional da rede, eles resolveram investir em serviços. A Ri Happy começou a informar sobre imunização, prevenção à violência contra crianças, esportes, entre outros temas, e os funcionários passaram a instruir os pais sobre os brinquedos mais adequados para cada idade. A equipe das lojas recebia formação sobre a infância. Os anúncios em jornais ganharam atividades para as crianças, como caça-palavras e joguinhos.
As lojas receberam temas diversos, como piratas e espaço, e promoveram campanhas pelas quais realizavam o sonho de um funcionário e também de um cliente, da mesma unidade. “Quando a loja era eleita para realizar o sonho de um funcionário, também era eleito alguém da comunidade”, conta Sayon. Foram bancados desde cadeiras de rodas até viagens para Paris, reformas de casas e festas de 15 anos de filhos. Quando a Ri Happy foi vendida tinha 111 unidades e Ricardo Sayon era chamado para dar palestras sobre o case no Brasil e exterior.
O comprador da Ri Happy foi o fundo norte-americano Carlyle. Sayon e Saba ficaram inicialmente com 15% do negócio, mas em 2014 se desfizeram da participação que restava. A Pare Bem, outro grande negócio de Sayon, teve mais de 60 estacionamentos em seu auge e chegou a ser segunda maior rede da área no Brasil. Ela também foi vendida, em período próximo à comercialização do restante do capital da Ri Happy.
Sayon é convidado ocasionalmente para palestras sobre empreendedorismo, e passou a ocupar seus dias com o planejamento dos shoppings. O Shopping Pátio Pinda, por exemplo, é um projeto do empresário e de seu sócio Saba. “Todo empresário tem uma coceira: que a vida só será repleta se ele realizar alguma coisa”, diz Sayon, quando questionado sobre o motivo da construção de tantos projetos. A inovação sempre o moveu, admite ele.
No espaço que ocupa em um prédio comercial do bairro Bela Vista, figuram alguns solzinhos, símbolo da Ri Happy, além de referências ao Palmeiras – time do coração do empresário. Uma prece árabe estampa a parede que fica atrás de sua cadeira. Fã do próprio pai, cuja trajetória conta com admiração, Ricardo tem na sua história muito do Líbano. Entre elas estão as lembranças da casa dos pais, cujas portas eram mantidas abertas para amigos.
“No jantar da quinta e no almoço de domingo sempre tinha comida árabe. As portas ficavam abertas para os amigos, amigos meus, deles. Minha mãe fazia comida para 50 (pessoas), não sabia quantos iam vir. Podia fazer qualquer coisa, mas não podia faltar no jantar da quinta e nem no almoço do domingo. Tinha que morrer alguém para faltar, senão era expulso da família”, brinca. O pai tinha duas rodas de amigos, uma delas com libaneses. O mesmo mantém Ricardo Sayon: amigos de origem árabe com quem joga tranca há 30 anos.
Sayon esteve no Líbano há cerca de dez anos e pretende voltar neste ano com as duas filhas. O empresário conhece metade do mundo, mas diz que nunca esteve com um povo tão “família” e tão “magnânimo” como o libanês. Mesmo sem ter parentes diretos no país, ele afirma que foi recebido como um irmão. “Fui conhecer a casinha onde meu avô Manoel Sayon nasceu, que era uma casa muito simples em Hasbaya, num povoado pobre. O druso que mora lá queria que entrasse, tomasse suco, comesse doces”, conta.
A invasão dos drusos à cidade foi justamente o motivo pelo qual o avô paterno de Ricardo Sayon foi mandado para o Brasil no final do século 19, com 15 anos. “Foi um dos primeiros imigrantes libaneses que veio para o Brasil”, conta Sayon. Ele trabalhou em fazenda, mascateou e depois estabeleceu um armazém onde se formou a cidade Ibitinga. Empreendedor, Manoel também teve de fazenda a indústria e comércio.
O avô materno de Ricardo Sayon, Rachid Rayes, também era dos negócios, mascateou, montou loja, teve fazenda. Ele se instalou em Borborema. As avós, também libanesas, eram donas de casa. Apesar de terem nascido no interior do estado de São Paulo, o pai e a mãe de Sayon se conheceram na capital paulista, quando o pai de Sayon viu a futura esposa passeando com freiras perto do colégio católico no qual ela estudava. “Ficou apaixonado.”
Na viagem que planeja ao Líbano, Ricardo Sayon quer que suas filhas conheçam o lugar que deu origem à família. Como bom árabe, o empresário fala com orgulho e carinho dos filhos – e também da mulher, que é seu segundo casamento, mas leva 32 anos. Recentemente Sayon teve um susto: um câncer pulmonar. O diagnóstico foi precoce e ele se recuperou. A doença trouxe novidades para a sua vida: atividade física e o abandono do cigarro.
Falante, animado e de jeito simples, o empresário parece ter sido atendido quanto ao conteúdo da prece que está prece que está na parede do seu escritório: “Meu Deus! Se me deres a fortuna, não me tires a felicidade; se me deres a força, não me tires a sensatez; se me for dado prosperar, não permita que eu perca a modéstia.”