O fim de semana foi de buzinaço em Roma, capital italiana. Depois de viver uma das piores semanas, o mercado ditou a regra e o primeiro-ministro Silvio Berlusconi entregou o cargo ao presidente da República, Giorgio Napolitano. O mercado _ essa espécie de Big Brother _ conseguiu o que eleitores, intelectuais, oposição e até mesmo a imprensa italiana tentava sem sucesso: derrubar o governo Berlusconi. “Uma ironia”, escreveu o escritor Roberto Saviano, um dos críticos assíduos do ex-primeiro-ministro. “Foi o mercado financeiro a derrubar Silvio Berlusconi, que sempre dizia ter criado um império do nada, de ser a encarnação do sonho americano, do self-made man italiano, e que sempre se considerou um esperto quando o assunto são números e dinheiro”, completa.
Dias negros
Na semana passada, a Itália viveu uma das piores semanas da história _ após os anos negros pós segunda guerra mundial. Terceira economia mais poderosa da União Européia, o país assistiu a tudo: fuga de capitais, queda sem precedentes na Piazza degli Affari _ a bolsa de Milão _ e a desconfiança de outros países parceiros como Alemanha e França na capacidade italiana de realizar reformas. A pergunta da semana era: como consertar o motor quebrado da economia. Nem a declaração do presidente norte-americano Barack Obama, na quinta-feira (10), dizendo que a Itália não era a Grécia conseguiu segurar o rumo que o governo tomava. A queda estava anunciada. E na sexta-feira cabalística _ 11.11.11 _ o nome de Mario Monti surgiu como única opção.
Professor
Economista, Monti foi professor e hoje é presidente da Universidade Comercial Luigi Bocconi, de Milão, uma das mais tradicionais da Itália em Economia. Nos anos 90, foi indicado a Comissão Européia para atuar no departamento de Mercado Interno e Integração Financeira. Foi ali que Monti travou uma importante batalha contra a gigante Microsoft de Bill Gates. O épico confrontou o tornou conhecido e respeitado em todos os países membros da UE. Gates foi condenado a pagar uma multa de 497 milhões de euros e também teve a quebra de patente do software Windows. A intenção era garantir aos produtores europeus uma concorrência mais justa, dando-lhes condições de competir com a Microsoft.
No setor automobilístico, Monti também defendeu o livre mercado. Graças ao novo primeiro-ministro italiano, os donos de carro não perdem mais a garantia dos seus automóveis se substituírem uma peça original quebrada por uma peça, digamos, genérica, de uma outra marca. Antes, se isso acontecesse, o proprietário perdia a garantia. Ainda no setor, Monti também criou uma regra para que as concessionárias não fossem representantes de apenas uma marca, mas sim multimarca.
Como a gente
Bem visto pela União Européia e pelos Estados Unidos, Monti já começa a cativar os italianos, fato importante para o momento de descrença que o país vive. No aeroporto de Fiumicino, o principal de Roma, o novo primeiro-ministro surpreendia os passantes com sua pasta de executivo em plena sexta-feira (11), quando todos os políticos deixam Roma em direção às suas cidades. Monti retornava a Milão. Uma novidade para os italianos acostumados aos exageros da classe política local, com seus jatos particulares. Sem segurança, Monti lia, conversava com quem o parava e aguardava o horário do voo.
Mudança no dia-a-dia
Enquanto esperam as reformas que poderão mudar o destino da economia italiana, as famílias italianas começam a fazer pequenos ajustes que podem ajudar a fechar as contas no final do mês. A ficha parece ter caído. “Café e jornal me custam quase 800 euros em um ano”, diz um profissional liberal. “E eu posso viver tranquilamente sem os dois. Tenho máquina de café em casa _ com quase todos os romanos _ e leio o jornal no I-Pad”, pensa. As saídas para jantar fora também foram reduzidas, conta ele _ e as compras estão mais controladas.
Consumo
O italiano é um mix de consumidor e poupador. Compra muito, estão sempre cheios de sacolas de tudo: comida, eletrônicos, livros, roupas, sapatos e, claro, bolsas, muitas bolsas. Gosta de qualidade, mas tem aberto espaço para a mercadoria chinesa e para a falsificação. “Como todos os países que abrem assim para a China, estamos dando um tiro no próprio pé”, diz um comerciante de vera pelle (couro legítimo) do centro de Roma. A história é antiga, e o dilema mundial, mas talvez o comerciante tenha razão.
A economia italiana cresceu e se tornou a terceira da Europa apoiada nos pequenos empreendedores. Até mesmo a história do design milanês passa por aí, baseada em pequenos artesãos, locais. Bolsas e sapatos italianos, desejados no mundo inteiro, são feitos em pequenas cidades na região Marche, por exemplo, em fábricas de pequeno e médio porte. As grandes, como Tods, são poucas. E a entrada da mercadoria chinesa com baixo custo tem massacrado essa realidade artesanal. “E se isso não mudar, não tem reforma e aumento de imposto que resolva”, conclui o comerciante.
Imposto alto
Imposto, por sinal, não é uma coisa barata em terras italianas. Se paga, pois, até agora, retorna em forma de serviços aos cidadãos. Escolas públicas e hospitais funcionam e tem boa qualidade na Itália. Escolas privadas são raras, custam e, com exceção às internacionais, são consideradas de baixa qualidade. Mas voltando às taxas: são cerca de 30% do ganho mensal dos trabalhadores. Todas as mercadorias _ com poucas exceções como o mercado editorial _ recolhem o IVA de 21%. Por conta da crise foi aumentado em 1% _ antes era 20%. Não tem imposto em cascata como no Brasil, o pagamento é na emissão da nota fiscal.
Criatividade e depressão
“A Itália sempre foi muito criativa”, diz um amigo. “E os italianos exploradores do mundo. Foram para o Brasil, para a Austrália, para os Estados Unidos, vamos ter de encontrar uma saída criativa para a crise”, completa. O problema, segundo ele, e dar o primeiro passo e sair da depressão e falta de expectativa das pessoas, principalmente os jovens, que tem escapado do país por falta de oportunidade de trabalho. “Quem fica não consegue sair da casa dos pais, não consegue um trabalho”, diz que e completa que uma “prima acabou de se formar, mas já está em depressão”. E nesse momento todas as esperanças são direcionadas a Monti e seu novo governo.