São Paulo – Segundo projeções feitas há alguns anos, as ferrovias deveriam responder hoje por 30% da matriz de transportes do Brasil, mas essa participação continua igual à atingida em meados da década passada, entre 25% e 26%. O transporte de cargas por via férrea cresceu em termos absolutos, de 392 milhões de toneladas em 2005 para 475 milhões no ano passado, mas isso não foi suficiente para ampliar o peso do setor na logística brasileira, dominada pelo frete rodoviário.
O aumento do volume transportado ocorreu basicamente por meio de ganhos de produtividade das estradas de ferro, ou seja, mais cargas passaram a ser transportadas pelas mesmas linhas, já que o tamanho da malha pouco avançou desde que as ferrovias foram privatizadas, em 1996 e 1997, apesar de o governo ter anunciado projetos de grande porte nos últimos anos.
Em 2012, o País deveria ter 34,5 mil quilômetros de trilhos, mas tem pouco mais de 30 mil, incluindo metrôs, trens urbanos e de passageiros. Vale lembrar que no passado o Brasil chegou a ter 38 mil quilômetros de vias, em boa parte sucateadas.
"O patamar [previsto] não foi atingido", disse Rodrigo Vilaça, presidente executivo da Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF), entidade que reúne as concessionárias do setor. Em entrevista à ANBA em 2006, ele estimava que a participação dos trens matriz de transportes chegaria a 28% em 2008, mas agora transfere esta meta para 2015.
Mas por que a rede não cresce? Segundo Vilaça, a crise financeira internacional detonada em 2008 influenciou negativamente o setor, houve pouco avanço na eliminação de gargalos do sistema, a burocracia é muita e o investimento estatal é baixo. "Não é nem problema de [falta de] dinheiro, [o processo] emperra na licença ambiental e nas desapropriações", afirmou o executivo. Isso sem contar o escândalo envolvendo o ex-presidente da Valec, estatal do ramo, José Francisco das Neves, o Juquinha, que chegou a ser preso sob suspeita de desviar dinheiro das obras da Ferrovia Norte-Sul.
Essa opinião é respaldada por outros especialistas consultados pela reportagem. "É difícil o licenciamento de uma obra desta extensão pois ela tem um grande impacto distribuído em diferentes regiões, é um processo demorado e incerto", destacou o coordenador do programa de pós-graduação em Engenharia dos Transportes da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), Cláudio Barbieri da Cunha.
A demora e a incerteza, além do alto custo do capital no País, acabam ajudando a afugentar investidores privados que poderiam ter interesse na ampliação da rede, segundo Cunha. De acordo com Vilaça, as concessionárias investiram R$ 30 bilhões desde as privatizações, ao passo que o governo aplicou R$ 1,9 bilhão. O montante aplicado pelas empresas, porém, não foi para o crescimento da malha, mas para a compra de material rodante, recuperação e manutenção de vias e implementação de novas tecnologias. Pelo modelo de concessão, a responsabilidade pela construção de estradas de ferro e remoção de gargalos nas vias existentes é do governo.
E isto é mais um empecilho, segundo Cunha, pois o Poder Público precisa licitar a construção, processo demorado e complexo, e os investimentos estatais seguem uma "realidade perversa" que "independe de partido ou ideologia", a de que o governante prioriza obras que podem ser inauguradas durante seu mandato, coisa que geralmente não ocorre com as ferrovias, empreendimentos de longo prazo. De acordo com o presidente da ANTF, os projetos na área têm prazo de maturação de cinco anos.
Para o engenheiro Adriano Branco, consultor e ex-secretário de Transportes do Estado de São Paulo, não há uma política para o setor. “De vez em quando aparece um relatório do governo de redistribuição de modais, mas passa um ano e fica como estava”, destacou.
“Nós estamos no limite da criatividade”, declarou Vilaça. O que permitiu ampliar o volume transportado, segundo ele, foi a modernização dos equipamentos, do controle dos trens e o treinamento de pessoal. "A TI nos ajudou muito a melhorar a produtividade", acrescentou. A ANTF estima que as ferrovias brasileiras deverão transportar 520 milhões de toneladas de carga este ano.
Concentração
Cunha observa que muitos dos investimentos foram feitos pelos donos das cargas, que não têm exatamente intenção de ganhar dinheiro com o frete, mas ganhar eficiência e reduzir custos no transporte de seus produtos. “É difícil atrair o setor privado, a não ser que [o investidor] tenha uma carga cativa de alta performance, como minério”, destacou o professor. É o caso da mineradora Vale, uma das maiores operadoras de ferrovias do País. “Mas o negócio dela (da companhia) não é transporte, é vender minério”, acrescentou.
Outro exemplo é o da Rumo, empresa de logística da Cosan, produtora de açúcar e etanol e distribuidora de combustíveis. A companhia investe R$ 1,3 bilhão para trocar o transporte rodoviário pelo ferroviário, utilizando uma linha do interior de São Paulo ao Porto de Santos concedida à ALL. “A empresa faz isso para reduzir custos e ter certeza do transporte, ela quer resolver os problemas para si própria”, ressaltou Branco.
Com isso, de acordo com Branco, o sistema “não abre a porta para outras cargas”. Isso fica claro na quantidade restrita de produtos transportados pelos trens. Segundo a ANTF, em 2011 o minério de ferro e o carvão mineral responderam por 76,61% do total carregado pelas ferrovias, seguidos do agronegócio (11,51%), siderúrgicos (3,77%), derivados de petróleo e de etanol (2,79%) e insumos da construção civil e cimento (1,41%).
Dada à importância da produção agrícola para a economia e para a balança comercial brasileira, por exemplo, seria lógico esperar que estes itens tivessem uma participação mais expressiva no transporte ferroviário, mas a maior parte da safra segue de caminhão, mesmo dos locais mais distantes. “Carga boa é aquela que tem uma demanda grande e regular 365 dias por ano”, observou Cunha. E o fato de haver uma entressafra faz com que as mercadorias agrícolas não sejam tão boas assim, ao contrário do minério.
Branco cita outro exemplo, o de uma ferrovia no sul de São Paulo que hoje está degradada, mas cuja recuperação seria importante para uma das regiões mais empobrecidas do estado, onde há produção agrícola, de minérios e de cimento. “A concessionária [responsável pela via] apresentou a conta, queria garantia de um determinado volume de carga e financiamento por conta do dono da carga”, ressaltou. “São quase 200 quilômetros em uma região extremamente necessitada”, observou.
Pacote
O Plano Nacional de Logística e Transportes (PNLT) do governo federal prevê investimentos de R$ 200 bilhões em ferrovias até 2020 e a ampliação da rede em 11 mil quilômetros. O objetivo é fazer com que as estradas de ferro cheguem a 35% da matriz de transportes até 2025, mais do que todos os outros modais.
Há expectativa de que o governo apresente ainda esta semana um pacote de concessões, que inclui oito mil quilômetros de ferrovias, além de mudanças na regulação do setor. O modelo atual é criticado pelos especialistas por sua dificuldade em atrair mais investidores privados e por não ter resultado no crescimento da rede.
Mas, mesmo antes de seu lançamento, o pacote é visto com um pé atrás. “Infelizmente – é até triste relatar isso -, praticamente todo ano temos anúncio de recursos a serem direcionados para infraestrutura. Porém, para que de fato estes anúncios saiam do papel, não temos visto nada mais rápido do que cinco a 10 anos. Ou seja, não acredito que, no curto prazo, haverá qualquer mudança – talvez a perspectiva seja para algo daqui uns 10 a 15 anos”, comentou a economista Priscilla Biancarelli Nunes, coordenadora do grupo Esalq-Log, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da USP.
Vilaça, no entanto, acha a “sinalização positiva” se o modelo atrair capital para o ramo. Ele avalia que o tema ganhou importância na agenda nacional. “[A discussão sobre] o TAV trouxe o assunto à tona”, afirmou, referindo-se ao projeto do Trem de Alta Velocidade de São Paulo ao Rio de Janeiro. (Leia sobre o custo do frete no link abaixo)