São Paulo – A Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados Palestinos (Unrwa, na sigla em inglês) quer tornar permanente a ajuda financeira que o Brasil vem oferecendo à entidade nos últimos anos. A informação é de Filippo Grandi, comissário-geral da agência, que está no Brasil esta semana para encontros com autoridades do País e deu entrevista exclusiva à ANBA.
A agenda de Grandi no Brasil inclui reuniões com o ministro das Relações Exteriores, Antônio Patriota, com os prefeitos de Porto Alegre, José Fortunati (PDT), e Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PMDB), e com os governadores dos estados do Rio Grande do Sul, Tarso Genro (PT), e do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral Filho (PMDB). Ele também tem encontros em entidades civis, como o Hospital Sírio-Libanês e a Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo, e com membros da comunidade palestina na capital gaúcha.
Fundada em 1949, Unrwa atua com 4,8 milhões de refugiados palestinos nos territórios ocupados de Gaza e da Cisjordânia, e também no Líbano, Jordânia e Síria. A agência tem um orçamento anual de US$ 1,2 bilhão, e seus maiores financiadores são os Estados Unidos, a União Europeia e a Arábia Saudita.
Em visita à Câmara de Comércio Árabe Brasileira, Grandi falou sobre o papel do Brasil na ajuda aos refugiados palestinos, a situação da diáspora palestina no mundo, a atuação da agência e também sobre os efeitos do conflito Israel-Palestina, e sentencia: "Somente quando houver paz, haverá uma solução para os refugiados". Leia abaixo os principais trechos da entrevista exclusiva concedida à ANBA.
ANBA – Quais temas o senhor vai discutir em seus encontros com as autoridades brasileiras? Como o Brasil pode ajudar a Unrwa?
Filippo Grandi – Penso que tornando o financiamento estável e previsível. O que acontece é que, até agora, o Brasil estabeleceu um financiamento para ajudar Gaza. É disso que temos nos beneficiado, de duas contribuições, uma de cerca de US$ 1 milhão, ano passado, e uma muito maior, de US$ 7,5 milhões este ano. Mas estas contribuições estão ligadas a financiamentos específicos, que já acabaram. Então, direi ao governo “Vocês podem tornar esta contribuição para a Unrwa regular, de modo que possamos contar com ela?” Por meio disso, queremos que o Brasil se torne um stakeholder (colaborador) da Unrwa, um de nossos principais parceiros.
Somos uma organização financiada por governos, voluntariamente, e não por cotas fixas, mas gostaríamos de encorajar essa previsibilidade. Também estamos interessados em ter laços mais fortes com a comunidade de empresários no mundo. Temos sorte que no Brasil há uma comunidade de empresários de origem árabe que, é claro, se sente mais próxima à causa palestina. É claro que os empresários não dão o mesmo apoio que os governos, mas há outras iniciativas que podem ser tomadas, não apenas de financiamento, mas de cooperação técnica, treinamento, bolsas de estudo e outras.
O senhor vê o aumento da ajuda financeira do governo brasileiro como um reforço no apoio do País à causa palestina?
O Brasil há muitos anos tem sido um apoiador muito forte da causa palestina nas Nações Unidas, em apoio político. Agora, esta outra dimensão foi adicionada a este apoio, que é ajudar os refugiados por meio da Unrwa. O Brasil já apoia a Palestina por meio da Autoridade Palestina, mas essa ajuda vai para os palestinos que não são refugiados. Mas se você quer atingir os refugiados, tem que ser pela Unrwa.
Acho isso ótimo e penso que isso reflete muitas coisas. Reflete o forte apoio do Brasil à causa dos palestinos em todos os seus aspectos, também reflete o crescimento do papel do Brasil no cenário internacional.
O Brasil é agora uma das grandes economias do mundo e acho que quer fazer sua voz ser ouvida sobre a Palestina e em outras questões, e nós recebemos isto muito bem, tanto financeiramente, porque é importante, mas também politicamente.
Pessoalmente, penso que o conflito Israel-Palestina é um conflito global, não local. E a questão dos refugiados é parte desse conflito, é um elemento deste conflito. Então, nós ficamos satisfeitos que um poder que está se tornando global, como o Brasil, tome parte nessa discussão e no financiamento da causa.
Como é a atuação da Unrwa junto aos refugiados?
Temos muitas atividades para estes milhões de pessoas. A mais importante delas é o que eu chamo de serviços públicos de natureza social: educação, saúde e alívio da pobreza. Temos 700 escolas, com 500 mil crianças. Elas estudam do primeiro ao nono ano, em alguns países até mais que isso. Este é o maior programa. Também temos cobertura total de saúde básica. Qualquer refugiado registrado na Unrwa tem o direito de ser atendido gratuitamente pelos nossos serviços de saúde no Oriente Médio. Também provemos algum apoio para tratamentos mais complexos.
Também ajudamos aos mais pobres: cerca de 250 mil pessoas, como mulheres sozinhas com muitos filhos ou pessoas com incapacidades físicas, ou que sofreram nos conflitos. Ajudamos com suporte financeiro e de alimentos.
Este é o nosso programa regular, mas temos outras atividades. Em algumas regiões, há guerra, como a Síria, agora, e Gaza, dois anos atrás. E lá, nós temos assistência humanitária, como distribuição de alimentos e auxílio médico.
Cerca de um terço dos refugiados, talvez um pouco mais, vive em campos. Os campos, depois de 60 anos, não são mais de tendas, são campos como favelas ao redor das cidades. Lá fazemos trabalho de infraestrutura, para as casas, saneamento, coleta de lixo, etc. Também temos um programa de microfinanciamento, que é excelente, para dar oportunidades econômicas às pessoas.
O que o senhor pode falar sobre a situação dos refugiados palestinos no Brasil?
Há uma comunidade palestina no Brasil, especialmente no Rio Grande do Sul. É uma comunidade que está aqui há muito tempo e eles não são refugiados propriamente, são imigrantes, e acho que muitos deles tiveram sucesso aqui. Não temos preocupação com eles.
Há um grupo pequeno, de 180 pessoas, que veio por volta de 2007. Estas pessoas são refugiados palestinos do Iraque, então, sua realocação para o Brasil não foi organizada pela Unrwa porque não atuamos no Iraque. O Alto Comissário das Nações Unidas para Refugiados (Acnur) organizou e os transferiu. Sei que não foi fácil para todos eles. Para alguns deles correu tudo bem, outros tiveram problemas. Isso acontece quando você desloca pessoas para muito longe de suas casas. Entendo que o Acnur e o governo [brasileiro] estão trabalhando para ajudar estas pessoas, especialmente as mais vulneráveis.
Qual é situação geral dos refugiados palestinos no mundo?
Os refugiados palestinos tem um grande problema, que se você pensar é o problema de todos os refugiados. A questão política que criou o problema, nesse caso o conflito entre Israel e Palestina, não foi resolvida, então, a questão dos refugiados ainda não foi resolvida. A questão dos refugiados está muito ligada ao conflito. Somente quando houver paz, haverá uma solução para os refugiados. Eles vivem há mais de 60 anos longe de suas casas.
Lembre-se que suas casas estão agora em Israel. Esta é a grande dificuldade porque Israel se recusa a deixá-los retornar. Eles (israelenses) dizem que se essas pessoas voltarem, Israel não será mais um Estado judeu. Os países onde eles estão não querem que eles fiquem lá permanentemente e eles próprios (refugiados) não querem isso. Então, é uma situação muito complicada, na qual a solução parece estar bloqueada por todos os lados.
Não é nosso papel, mas continuamos clamando a israelenses e palestinos, e também à comunidade internacional, que não esqueçam o processo de paz. Se você olhar a mídia hoje, lá estão Egito e Síria, ninguém fala mais de Israel e Palestina, mas esse é o conflito mais importante porque este conflito tem muitos outros aspectos a serem resolvidos, como os refugiados, Jerusalém, etc.
O outro problema que eles têm é que, infelizmente, eles esperam, esperam e continuam se vendo em lugares onde há outros conflitos, como na Síria. Este não é um conflito sobre a Palestina, mas 500 mil palestinos estão lá. Isso é péssimo porque eles estão lá com seu problema e se veem em meio a outro problema.