São Paulo – O relacionamento do Brasil com os países árabes ultrapassou os limites do comércio e da diplomacia e chegou ao campo dos investimentos. Embora a participação dos árabes ainda seja pequena dentro do fluxo de recursos estrangeiros que desembarcam atualmente no Brasil, é crescente o interesse de investidores da região no país.
Prova disso é o aumento do número de instituições árabes registradas na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para poder aplicar no mercado brasileiro de capitais. Foi realizado apenas um registro em 2001 e depois dois anos se passaram sem nenhuma nova entrada. Em 2004 ocorreram três registros, mais cinco em 2005, outros cinco em 2006, mais 12 em 2007 e cinco até agora em 2008.
Entre essas instituições estão grandes fundos soberanos, como a Abu Dhabi Investment Authority (Adia), o maior do mundo, a Kuwait Investment Authority (KIA), a Saudi Arabian Monetary Agency (Sama), que é o banco central da Arábia Saudita, a Dubai International Capital e o State General Reserve Fund, de Omã.
“Temos recebido contatos de diferentes clientes interessados [no mercado brasileiro]”, disse à ANBA a diretora da área internacional do banco ABC Brasil, Angela Martins. O banco é controlado pela Arab Banking Corporation (ABC), com sede no Bahrein, centro financeiro do Oriente Médio.
Segundo ela, os países ricos estão sofrendo mais com a crise financeira desencadeada pelo setor de hipotecas norte-americano e os chamados BRICs (Brasil, Rússia, Índia e China) passaram a chamar ainda mais a atenção dos grandes investidores internacionais. “Os árabes já investem na Ásia e na Rússia. Por que não no Brasil?”, declarou a executiva.
Na mesma linha, o diretor da corretora XP Investimentos, Kléber Hollinger, diz não ter a “menor dúvida” de que o interesse dos árabes pelo Brasil só tende a crescer. “Nos anos 80 e 90 houve a explosão do iene e os japoneses foram para Nova York e compraram de tudo. Essa possibilidade existe hoje com relação aos árabes”, afirmou.
De acordo com o executivo, com o dólar desvalorizado há uma tendência de procura por novos locais para investir, além da Europa, onde os árabes tradicionalmente aplicam recursos.
Some-se a isso o aumento da visibilidade do Brasil no mundo árabe, e vice-versa, ocorrida nos últimos cinco anos por meio de diversos esforços de aproximação diplomática e comercial feitos pelo governo brasileiro e pelo setor privado; a melhora do cenário econômico do Brasil reconhecida pelas agências de classificação de risco Standard & Poor’s e Fitch, que concederam ao país o “grau de investimento”; a criação de um vôo direto da Emirates Airline entre Dubai e São Paulo; e a crescente disponibilidade de recursos oriundos do petróleo no mundo árabe.
Esses fatores levam cada vez mais companhias brasileiras a olhar para o Oriente Médio em busca de capitais. É o caso de grandes bancos como o Banco do Brasil, que acaba de abrir um escritório em Dubai, e do Itaú, que terá em breve instalações em Dubai e Abu Dhabi.
Diretos
Os árabes não estão apenas interessados no mercado de capitais, mas especialmente em investimentos diretos. O presidente da Associação para o Desenvolvimento Imobiliário do Nordeste Brasileiro (Adit-Nordeste), Felipe Cavalcante, disse que os empreendimentos imobiliários da região têm chamado muito a atenção de investidores árabes.
A Adit, em parceria com a Agência de Promoção das Exportações e Investimentos do Brasil (Apex), realiza uma campanha de atração de investidores estrangeiros para projetos imobiliários e turísticos. Recentemente as duas entidades realizaram um evento chamado Nordeste Invest, em Recife, que contou com a presença de um representante da Nakheel, empresa de desenvolvimento imobiliário de Dubai. Esse diretor, segundo Cavalcante, comunicou o interesse da companhia em investir no Brasil.
Nesse sentido, a Adit pretende intensificar seus esforços no mundo árabe com a realização de uma missão de prospecção a Dubai e Abu Dhabi ainda este ano a participação em eventos do ramo nos dois emirados em 2009. “Dentro de três anos os grupos principais da região devem começar a aterrissar por aqui. Não tenho a menor dúvida”, declarou o executivo.
Na seara dos investimentos diretos, além dos ramos imobiliário e turístico, os árabes têm muito interesse também no setor de alimentos, segundo Angela Martins, do ABC Brasil. “Nossos clientes estão interessados mais em investimentos diretos do que em outros tipos de aplicações, e o setor de alimentos vem em primeiro lugar”, afirmou.
A Câmara de Comércio Árabe Brasileira também tem recebido consultas de empresas árabes interessadas em investimentos no Brasil. É o caso do banco Makaseb, dos Emirados Árabes Unidos, que busca negócios na área de alimentos, e do grupo jordaniano Munir Sukhtian, de cosméticos e produtos farmacêuticos, que também quer se estabelecer no país.
Outra empresa que procurou a Câmara este ano foi o grupo Elloumi, da Tunísia, que quer ter no Brasil uma indústria de cabos elétricos para o setor automotivo.
No final do mês passado, a saudita HiTs Telecom anunciou a compra por US$ 62 milhões de 49% do capital da Unicel, empresa que tem licença para operar serviços de telefonia móvel na região metropolitana de São Paulo. No início do ano, um fundo estrangeiro com capital árabe comprou uma das torres do empreendimento Ventura Corporate Towers, no Rio de Janeiro, por US$ 422 milhões.
Outra empresa Saudita, a Amiantit, está presente no Brasil há mais tempo. Ela adquiriu em 2002 a Amitech, fabricante de tubos e conexões de grande diâmetro do interior de São Paulo. No ano passado ela vendeu o controle da companhia para o grupo colombiano Inversiones Mundial, mas permaneceu com uma participação de 30%.
É difícil saber exatamente quanto capital árabe está investido no Brasil atualmente, uma vez que os dados oficiais mostram somente os recursos que vêm diretamente da região, sem intermediários. De acordo com Angela Martins, cerca de 70% do dinheiro árabe que entra no país é aplicado por terceiros, seja por fundos de investimentos e gestores de ativos dos Estados Unidos e Europa ou subsidiárias de empresas árabes localizadas fora da região. O próprio ABC Brasil é um exemplo disso, pois ele é controlado por uma subsidiária integral da Arab Banking Corporation estabelecida no Uruguai.

