São Paulo – A equipe brasileira que estuda a múmia egípcia batizada de Iret-Neferet fez uma descoberta inédita. Os pesquisadores do Grupo de Pesquisa Afro-Egípcio identificaram, através de processamento tecidual, células intactas na mandíbula da múmia. A cabeça da múmia é objeto de pesquisa do Grupo de Estudo Identidades Afro-Egípcias, da Escola de Humanidades da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), que no ano passado, conseguiu identificar a idade da peça, entre 2.495 e 2.787 anos. Na foto acima, de pé estão os pesquisadores e irmãos Édison (à esquerda) e Eder Abreu Hüttner (à direita).
Para entender até que ponto a técnica milenar egípcia de mumificação poderia ter mantido os tecidos do corpo preservamos, o grupo analisou parte do osso medular da mandíbula e músculo do masseter da múmia. O material foi processado e passaram por análise histológica no Laboratório de Anatomia Patológica do Hospital São Lucas da PUC-RS. Lá, foi possível ver com microscópio estruturas do tecido conjuntivo intactas, podendo se identificar hemácias dentro do vaso sanguíneo e trabeculado ósseo do corpo da mandíbula com morfologia preservada.
O cirurgião bucamaxilofacial e gerontologo Dr. Éder Abreu Hüttner, membro do grupo, explicou que para identificar a idade da múmia através da datação por Carbono 14, a equipe já havia utilizado dentes extraídos. “Eu extraí o dente da múmia e comprovamos a idade dela. Então, continuamos estudando. No início do ano, fizemos um estudo para ver a característica da célula. Com uma técnica de processamento tecidual, identificamos que a célula tem preservada a morfologia tecidual”, explicou Hüttner, em entrevista à ANBA.
O processo tecidual foi feito em 15 dias e a equipe apresentará o estudo, de forma remota, neste sábado (10), no Congresso da Associação Europeia de Osteointegração (EAO) sediado em Berlim, na Alemanha, um dos principais congressos de odontologia do mundo.
Uma das principais comprovações da descoberta é a eficácia do processo de mumificação na conservação do tecido humano. “O que é importante nisso é se relevar a tecnologia egípcia em preservação tecidual. Isso demonstra que os egípcios já tinham técnica, e que a tecnologia que eles usavam conseguiu manter a célula intacta por 2.500 anos”, destacou Hüttner.
Segundo o doutor, a descoberta é a primeira do gênero no Brasil, mas há registros de outras múmias que também teriam células intactas. Por isso, o próximo passo dos pesquisadores é fechar parceria com o Instituto Max Planck, da Alemanha, especializado em estudo de DNA. “Essas células inéditas permitem fazer avaliação de DNA. E este instituto tem um banco de DNA, onde inclusive poderíamos identificar algum parente da Iret-Neferet”, explicou ele, acrescentando que estão, agora, trabalhando para estabelecer cooperação técnica com a instituição alemã.
Além da preservação do tecido, o grupo pesquisa outras características identificadas na múmia e que possibilitam uma diversidade de análises. O estudo é chamado de genético ambiental. “A riqueza de informações a partir do DNA é imensa. A partir disso, vamos fazer o genoma da múmia, uma análise genético ambiental, porque com isso conseguimos entender como ela vivia. Por exemplo, também identificamos que ela tinha muitas cáries e, na época em que ela viveu, foi justamente quando houve introdução do amido no Egito. Eram as classes mais nobres que tinham acesso a esse tipo de alimento e, consequentemente, mais cáries. Também há a questão do desgaste dentário, que sugere bruxismo. A partir daí podemos nos perguntar o que era estresse naquele tempo?”, questionou ele.