São Paulo – A recuperação da economia mundial já começou, mas para que ela seja sustentável são necessárias ações para rebalancear os fluxos comerciais e financeiros. A avaliação consta de artigo do economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI), Olivier Blanchard, que será publicado hoje (19) no site da entidade e na edição de setembro da revista Finance & Development, editada pelo FMI.
“A reversão não será simples. A crise deixou cicatrizes profundas que vão afetar a oferta e a demanda por muitos anos”, diz o economista. Até agora, segundo ele, o aumento dos gastos públicos em muitos países e a recomposição de estoques por parte das empresas têm garantido a manutenção da atividade econômica mundial e gerado previsões otimistas sobre o crescimento no futuro próximo.
Blanchard ressalta, porém, que o crescimento previsto para muitos países não deve ser forte o suficiente para reduzir as taxas de desemprego. Além disso, os movimentos de aumento de gastos públicos e de estoques das empresas tendem a diminuir.
Para garantir a continuidade da atividade econômica nesse cenário, o economista diz que dois processos importantes devem ser colocados em movimento. Para evitar altos índices de endividamento e, conseqüentemente, aumentos de impostos, a iniciativa privada deve passar a despender o que hoje está sendo gasto pelos governos.
Blanchard declara que o estímulo por meio de gastos públicos não poderá continuar por muito tempo, especialmente nas economias mais desenvolvidas. Nesse caso, de acordo com ele, o setor privado terá que assumir esse papel, seja por meio do consumo ou dos investimentos.
Em segundo lugar, é preciso ocorrer uma readequação da demanda internacional, com os Estados Unidos mudando o foco de sua produção para o mercado externo e outros países, especialmente da Ásia, voltando-se mais para seus mercados internos. De certa forma, isso é o que já vem ocorrendo no Brasil.
O economista lembra que, além de ser a origem da crise, os EUA têm um papel central na recuperação mundial. O consumo das famílias, segundo Blanchard, representa 70% da demanda do país e está em queda, enquanto que a poupança está em alta. A crise tornou os norte-americanos mais cautelosos.
Ele ressalta que o Federal Reserve, o banco central do país, zerou a taxa básica de juros, o que tornou a taxa real negativa, então há pouco a fazer nesse sentido para estimular o consumo e os investimentos.
Nesse cenário, a saída para a recuperação dos EUA é o aumento de suas exportações líquidas, com diminuição de seu imenso déficit em conta corrente. Para tanto, o resto do mundo tem que reduzir o superávit que tem com o país.
Essa responsabilidade, de acordo com Blanchard, cabe aos países que têm altas taxas de superávit com os Estados Unidos, como a China. “Do ponto de vista dos Estados Unidos, uma redução do superávit em conta corrente da China ajudaria a aumentar a demanda e a sustentar a recuperação norte-americana. Isso resultaria em mais importações dos Estados Unidos, o que ajudaria a sustentar a recuperação mundial”, diz o artigo.
O economista lembra que a China tem condições de fomentar esse movimento, já que possui um elevado nível de reservas internacionais e uma grande demanda reprimida. Direcionar recursos para incentivar o consumo interno é do interesse do próprio país asiático, segundo ele, porque até agora a economia chinesa vinha crescendo com base nas exportações, viabilizadas por uma forte demanda internacional que não existe mais.
Ele usou a China como principal exemplo, mas a mesma lógica vale para outros países que tenham grandes reservas e possibilidade de ampliar a demanda interna. Blanchard acredita que a recuperação no curto prazo virá principalmente dos países asiáticos, com redução da poupança interna dessas nações e valorização de suas moedas frente ao dólar.
O economista destacou, no entanto, que, mesmo com a recuperação, a economia mundial não deverá voltar a ter os mesmos níveis de crescimento que tinha antes da crise, já que o sistema financeiro continua parcialmente afetado e deve demorar para voltar aos trilhos. Isso significa menos dinheiro disponível para a viabilização de negócios.
“Sustentar a recuperação em nascimento requer ações delicadas de rebalanceamento dentro dos países e entre eles. A compreensão dos problemas e perigos, bem como alguma coordenação entre países, deverá ser tão crucial nos próximos anos como foi durante a parte mais intensa da crise”, concluiu Blanchard.