São Paulo – Quando Brasil e países árabes eram universos bem mais desconhecidos um para o outro, um empresário brasileiro, o engenheiro Walid Yazigi (foto acima), liderou a primeira missão empresarial da Câmara de Comércio Árabe Brasileira para a região. Era a década de 1980 e Yazigi presidia a instituição, que trabalha no fomento às relações econômicas e culturais do Brasil com as nações árabes. “Precisávamos nos apresentar para o mundo árabe”, diz Yazigi, aos 88 anos, ao relatar sua trajetória para a reportagem da ANBA.
Yazigi foi presidente da Câmara Árabe por três gestões nas décadas de 1980 e 1990, foi vice-presidente também nos anos 1990 e presidente do Conselho Superior de Administração da entidade por quase vinte anos até 2021, e, hoje, além de um nome que desperta respeito entre os participantes do comércio Brasil-Árabe, se cristalizou como inspiração para os que o sucederam na liderança da Câmara Árabe. O seu pai, José Nicolau Yazigi, esteve entre os fundadores da instituição.
Elogiando a capacidade empresarial de Yazigi, o atual presidente da Câmara Árabe, Osmar Chohfi, ressalta a importância da atuação do engenheiro na entidade. “Ele soube dedicar seu talento e seu tempo para uma atuação expressiva na Câmara de Comércio Árabe Brasileira, seguindo a tradição paterna. Ele foi um presidente muito presente nas atividades, um presidente que trouxe uma visão de futuro, que deu para sua atuação na Câmara de Comércio Árabe Brasileira um caráter muito especial”, diz.
Naquela década de 1980 da primeira missão, embarcaram rumo a oito países árabes executivos e empresários de companhias bem-sucedidas do Brasil, que queriam vender aviões, frango, café, açúcar, ônibus, soja, mas que pouco conheciam a região. O então secretário-geral da Câmara Árabe, o especialista em comércio exterior Michel Alaby, relata que, apesar disso, as portas se abriram para a missão de forma “fantástica” nos países visitados, entre eles Iraque, Arábia Saudita, Emirados, Líbano e Síria.
Yazigi conta com alegria que para chegar até o Oriente Médio o grupo foi até a França e de lá tomou um avião fretado, pintado pela Air France com a bandeira do Brasil, e assim desembarcavam impressionando os seus interlocutores na região. “Foi uma beleza. Quando a gente chegava nos países árabes, eles olhavam aquele monstro com a bandeira do Brasil e perguntavam: de quem é esse avião? É da Câmara Árabe?”, conta.
Foram várias as missões encabeçadas por Yazigi em suas gestões na Câmara Árabe, além de outras inúmeras ações que ajudaram a entidade a trilhar o caminho atual, inclusive da solidez financeira. Alaby descreve Yazigi como um líder nato, carismático e justo. Mais recentemente, à frente do Conselho, ele foi incentivador da mudança de sede da Câmara Árabe para um endereço mais espaçoso e aprimorado e da escolha do famoso Ruy Ohtake para fazer a arquitetura interior do local.
Uma história familiar
Além da atuação na Câmara Árabe, Yazigi acumula trajetória de trabalho voluntário no Esporte Clube Sírio, no Hospital do Coração (HCor) e na Catedral Ortodoxa. O pai, José, e a mãe, Helena, já tinham trilhado o caminho do serviço beneficente. “A minha mãe ia na rua 25 de Março, o dono da loja via a minha mãe e já se escondia”, diverte-se Yazigi, lembrando a época em que dona Helena buscava doações para as obras das instituições filantrópicas.
Helena, filha de sírios, nasceu no Brasil. José, por sua vez, veio da Síria a convite dos tios e depois de algumas idas e vindas, acabou empreendendo no ramo têxtil em São Paulo. A sólida fábrica construída no segmento era a grande aposta de José para a vida profissional do filho, o único homem entre cinco irmãs. Mas Yazigi tinha outros planos, gostos e anseios.
“Eu gostava de ver prédio na fundação, depois subindo, depois terminado, depois sendo habitado. Eu podia ver o progresso do trabalho de quem projetou e construiu o prédio, então eu quis trabalhar nesta área”, afirma. Yazigi chegou ao curso de Engenharia Civil na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP) entre os primeiros classificados. O desempenho não era novidade porque era constante desde o começo dos estudos, no colégio, e depois no Centro de Preparação de Oficiais da Reserva (CPOR).
Estudioso, centrado, dedicado ao que fazia, muito fã de esportes. Assim era o Yazigi que começou sua construtora por conta própria, primeiro fazendo ele mesmo quase tudo, depois vendo o negócio criar divisões em diferentes áreas – do cálculo estrutural ao projeto de hidráulica – para dar conta do tamanho que tomava. Um livro de autoria de Yazigi, “A técnica de edificar”, ainda hoje é referência para pesquisas em universidades. Ele também é autor de outros dois livros sobre imigração e gastronomia.
O pai fechou a fábrica quando o filho não quis seguir os negócios têxteis, mas Yazigi, pai de quatro mulheres e de um homem – este último falecido muito cedo -, colocou suas meninas para dentro da empresa. Duas delas, uma administradora e uma engenheira, lideram a construtora, na qual hoje Yazigi não está mais no dia a dia. “Elas são dedicadas, não cometem erros, são extremamente eficientes”, afirma. As outras duas são formadas em Administração e Engenharia também, mas uma mora no exterior e a outra é atleta e acumula medalhas em competições de bicicleta.
As meninas
Quando busca na memória um dos seus orgulhos desta vida, Yazigi cita as filhas. Já acostumado a ser paparicado pelas cinco irmãs, após casar com Arlette, ele se viu em uma família também quase 100% feminina. E foi um pai dedicado. Em períodos de lazer, na praia, enquanto os outros pais faziam sua própria agenda, Yazigi puxava as filhas no esqui aquático.
“Na minha casa, a gente não precisava entrar na cozinha, meu pai dizia: você tem que estudar, se formar e trabalhar. Fomos ensinadas assim e todas foram boas alunas”, afirma uma das filhas, Claudia. Ela descreve o pai como um homem justo. “Se dava uma pipoca para uma, dava para todas”, afirma. “Sempre foi carinhoso e presente. Nunca levantou a voz. Temos muita admiração por ele”, diz Claudia.
As filhas eram chamadas a acompanhar Yazigi nos esportes. A esposa Arlette também esteve ao lado dele em tudo o que viveu, incluindo as viagens, atividades físicas e aventuras. Mesmo não sendo fã de atividades esportivas, ela subiu pirâmides no com o marido e enfrentou os degraus da Torre de Pisa, na Itália. “Se for para casar, tem que casar com um homem como o Walid. Eu só casaria com uma pessoa como ele. Eu tive sorte”, afirma.
Quem tem a oportunidade de um diálogo um pouco mais longo com o engenheiro, percebe que ali há um homem dedicado ao que empreende. “Venço as minhas deficiências com o trabalho, o esforço”, ele diz. Também é possível perceber que mora nele um homem que gosta das pessoas, dos amigos, que sabe rir e se divertir. Yazigi vai recheando a narração da sua própria história com humor, encontrando causos engraçados nos acontecimentos que já viveu ou que o rodeiam.
E prestes a completar 89 anos, apesar de afastado das atividades cotidianas da Câmara Árabe, o engenheiro Walid Yazigi segue olhando para o mundo árabe. A guerra que acontece atualmente entre Israel e os palestinos é sua preocupação, assim como estão nos seus pensamentos os direitos dos árabes e o avanço das exportações brasileiras para a região.
Um líder na Câmara Árabe
O presidente da Câmara Árabe, Chohfi, destaca a importância de ter na entidade talento como o do engenheiro, com grande capacidade empresarial. “Vindo de uma família já tradicional na nossa comunidade, o Walid herdou essas qualidades da família, soube enriquecê-las e fez uma carreira empresarial de grande sucesso na área de construção civil”, afirma Chohfi, lembrando também da atuação do pai de Yazigi na Câmara Árabe.
O diplomata afirma que é grato não só ao empenho de Yazigi na Câmara Árabe, mas também pela pessoa que ele é, e lembra que pais e mães dos dois atuaram juntos em entidades da comunidade árabe. Assim, Chohfi se diz feliz em compartilhar com Yazigi o trabalho na Câmara Árabe e encontrar nele um suporte seguro e confiança para levar suas preocupações e propostas.
Chohfi ressalta ainda o legado familiar de Yazigi na instituição. “A sua filha Claudia hoje pertence à diretoria, com atuação expressiva, consistindo já na terceira geração da família Yazigi que presta sua colaboração desinteressada e muito eficiente para a nossa Câmara”, diz.