São Paulo – Há cerca de um ano e meio, a gaúcha Stela Grisotti e o paulista Paschoal Samora arrumaram suas malas e desembarcaram na Jordânia para passar dois dias no deserto, na fronteira com o Iraque. Não era exatamente uma aventura. Stela e Paschoal são diretores de cinema e foram conhecer os refugiados palestinos que ali viviam. Sem falar árabe, e com pouca tradução, as filmagens e entrevistas – feitas num vai-e-vem de árabe, inglês e português – renderam a primeira parte do documentário “A Chave de Casa”.
Alguns destes refugiados vieram viver no Brasil e nove meses após a chegada, os dois diretores continuaram o trabalho, os filmando já em terras brasileiras. O documentário foi lançado neste ano. Já foi selecionado e exibido no festival “É tudo verdade”, em São Paulo, e na TV Cultura. Ele foi feito, aliás, com verba da TV Cultura, já que um projeto de Stela foi selecionado em um edital para filmes sobre refugiados de guerras contemporâneas. Agora, os planos são colocar o filme nos cinemas e também nas locadoras do Brasil.
O projeto inicial, conta Stela, não tinha como foco os palestinos. Mas tudo mudou quando a gaúcha ouviu falar sobre os refugiados árabes que estavam sendo acolhidos no Brasil. Após negociar com o governo da Jordânia, Stela e Paschoal, acompanhados de uma produtora executiva e de um diretor de fotografia, embarcaram. Desceram em Amã, capital da Jordânia, e dali seguiram cinco horas de carro com um motorista local até o campo de refugiados. A promessa era contar com a ajuda de uma brasileira, chefe do campo.
Quando chegaram, porém, a moça havia ido buscar os parentes de uma das refugiadas que viajaria ao Brasil e eles tiveram que improvisar com a ajuda do motorista que falava árabe e algo de inglês. No outro dia, o motorista foi substituído pelo pai, que não falava inglês. A brasileira que os auxiliaria esteve presente em poucos momentos. Assim, então, sem saber muito bem o que diziam os entrevistados, Stela e Paschoal tocaram o projeto. Muito do dito foi surpresa para eles, quando receberam a tradução, no Brasil.
As imagens se concentraram em cinco dos refugiados. O documentário conta a história deles, no campo de refugiados, e depois no Brasil. Alguns, afirma a diretora, estão muito bem e felizes com a nova vida no Brasil, como o professor dá aulas de árabe em Florianópolis para descendentes de imigrantes. Outros, como um PhD em Genética Veterinária, cuja mulher ficou no Iraque, não está tão contente. “Cada um está em um momento diferente”, diz Stela. Uma das mulheres se queixa que nem sabe mais a direção de Meca para rezar. Ela não gostaria de voltar ao campo, claro, mas para o seu país, a Palestina.
Diferente da maioria das produções sobre a Palestina, o filme “A Chave da Casa” não conta a história do conflito do país árabe com os israelenses. Mas relata a vida de pessoas palestinas. ”Trabalhamos a história íntima de cada um”, diz Stela. Segundo ela, o público que viu o documentário ficou muito interessado, querendo saber mais sobre aquelas pessoas, no debate após a exibição. “Toca pelo lado humano”, afirma. As personagens são palestinos que viviam no Iraque e foram obrigados a deixar o país, e partir para o campo, na Jordânia, após a guerra de 2003.
"A Chave da Casa" tem também roteiro de Stela e Paschoal, além de direção. A duração é de 60 minutos e a produtora é a Mixer. A música é de Ale Guerra, a fotografia e câmera de Dado Carlin. Os planos de Stela são colocar o filme no cinema e locadoras ainda neste ano. Ela também quer continuar trabalhando sobre a questão dos refugiados. Um próximo projeto, que depende de verba, poderá ser sobre as crianças refugiadas.
Stela é gaúcha da cidade de Santa Rosa, do Noroeste do Estado, e é formada em Jornalismo. Ela já atuou como editora de telejornalismo na TV Cultura e na Rede Globo, mas trabalha com cinema há 15 anos. Paschoal, de São Paulo, fez faculdade de cinema na Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), e foi convidado por Stela para levar o projeto adiante em conjunto.