Isaura Daniel
São Paulo – No palco, a peça teatral é "The Story of Mona". É a história de uma menina árabe, de 14 anos, forçada a se casar. Mona é adolescente e tem vontade de estudar. Mas tem que se casar. O fim de Mona é triste: acaba morta. Durante a apresentação, o público interfere. Quando a peça termina, os atores e a platéia não vão embora. Continuam ali, discutindo sobre o casamento precoce e a idade mínima para casamento no país. O público elabora projetos de leis que serão encaminhados aos governantes locais.
O local de apresentação é a Palestina. Os atores são do grupo Ashtar, de Ramallah. Mas a linha teatral é do brasileiro Augusto Boal. A peça foi montada de acordo com as diretrizes do Teatro do Oprimido, metodologia criada por Boal que faz do teatro também um espaço de discussão do cotidiano e uma ferramenta de transformação social. O debate do tema da peça com elaboração de projetos de lei é uma das técnicas do Teatro do Oprimido. Há outras, mas o objetivo é o mesmo: abrir, no teatro, espaços de diálogo que transformem a realidade.
O Ashtar começou a trabalhar com a metodologia de Boal em 2002, quando a atriz Bárbara Santos, coordenadora geral do Centro do Teatro Oprimido, que fica no Rio de Janeiro, dirigiu o primeiro espetáculo do grupo, sobre violência na escola. De lá para cá já foram duas peças montadas e várias oficinas realizadas. O grupo, na verdade, se tornou multiplicador da idéia de Boal no Oriente Médio. Pelo menos uma vez por ano, a coordenadora vai para a Palestina para trabalhar com os atores do Ashtar. Atualmente, o grupo está apresentando "The Story of Mona" na Índia.
No ano que vem, o Ashtar vai promover um festival com apresentação de peças que seguem o Teatro do Oprimido na Palestina. O festival vai ocorrer entre o final de março e início de junho e terá apresentações de grupos da Europa, Ásia e Brasil. De acordo com Bárbara, cerca de 70 países conhecem e praticam a metodologia de Boal. Outro país árabe, o Sudão, também começou a praticar recentemente o Teatro do Oprimido. Bárbara deu um workshop dentro do método em Cartum, a capital do país, na segunda quinzena de novembro.
O curso durou 12 dias e reuniu 17 atores, a maioria de renome no país. De acordo com Bárbara, o workshop terá ainda desdobramentos e a idéia é que a metodologia comece a ser multiplicada também no Sudão. O workshop foi uma iniciativa do International Theatre Institute (iTi), entidade ligada à Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), e teve apoio do governo local. O iTi da Alemanha já atua no Sudão. O instituto implementa no país técnicas teatrais próprias para regiões de conflito.
O iTi, segundo Bárbara, já conhecia o trabalho do Centro do Teatro do Oprimido e sugeriu a realização do workshop. Na Palestina, o Ashtar, que foi fundado em 1991, já conhecia o trabalho de atores europeus dentro da metodologia brasileira. Bárbara teve contato com a diretora do grupo em uma conferência na Itália, em 2001, e daí partiu o convite para dirigir o espetáculo e levar o método para a Palestina.
Augusto Boal
Apesar do treinamento ter sido dado por Bárbara, Boal acompanha o trabalho. O teatrólogo assistiu a peça do grupo palestino sobre os casamentos precoces na Índia. "O Teatro do Oprimido está ajudando, na sua medida, a resolver problemas internos do povo palestino", afirma Boal.
Ele deixa claro, porém, que não é o método, mas sim as pessoas que o usam que são capazes de modificar a sociedade. "O Teatro do Oprimido é um conjunto de instrumentos estéticos que ajuda a compreender melhor a realidade opressiva, e a treinar formas de lutar contra essas opressões. O Teatro do Oprimido, por si só, não faz nada. Eu sempre digo que uma chave não abre nenhuma porta: aquele que maneja sim, usando a chave, pode abri-la", diz.
Boal já esteve fazendo conferências no Egito e na Tunísia. Também trabalhou com grupos de mulheres na Argélia. "Indiretamente, quase sempre que trabalho na Europa, encontro estagiários árabes que expõem suas opressões, que, quase sempre, se referem a exílio econômico, ao racismo e ao conflito étnico com os países europeus, a dificuldade de legalizar sua situação", diz. De acordo com Bárbara, o Teatro do Oprimido já é conhecido em vários países árabes. Além da Palestina e Sudão, também países como Egito, Jordânia e Líbano conhecem ou praticam a metodologia.
O início
O Centro do Teatro do Oprimido foi fundado há 20 anos no Rio de Janeiro. A metodologia, porém, foi criada por Boal na década de 70. Como foi exilado do país, entre os anos de 1971 e 1986, desenvolveu a técnica nos países pelos quais passou, na América Latina e na Europa. Com a volta ao Brasil, o Rio de Janeiro, onde vive, tornou-se o centro das atividades do Teatro do Oprimido. A metodologia é reproduzida hoje por diversos grupos no Brasil e é inclusive aplicada em presídios.