O novo zoneamento agrícola elaborado pelo Ministério da Agricultura (Mapa) vai inibir o avanço da cana-de-açúcar em áreas do Brasil onde são plantados alimentos e em ecossistemas considerados sensíveis, como a Amazônia, o Pantanal Mato-grossense e a Mata Atlântica.
“O novo zoneamento agroecológico da cana bloqueia e expansão em áreas que julgamos inadequadas”, disse nesta segunda-feira (17) a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Roussef, que representou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva na abertura da Conferência Internacional sobre Biocombustíveis, em São Paulo. “Os biocombustíveis não podem e nem devem competir com os alimentos”, disse.
Para o governo brasileiro, o zoneamento vem para dar uma resposta à opinião pública internacional. A produção de biocombustíveis no Brasil já foi acusada de incentivar o desmatamento e de tomar espaço de outras lavouras. “O levantamento foi bem feito para poder mostrar ao mundo que trabalhamos corretamente na área de biocombustíveis”, declarou o ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, ressaltando que a realização do estudo tomou um ano e meio.
A princípio o governo pretendia divulgar oficialmente o zoneamento durante a conferência em São Paulo, mas, segundo Stephanes, decidiu postergar até o final do ano para poder debater o tema com os estados, entidades civis e órgãos ambientais do próprio governo. “Na definição das áreas não há problema ambiental, e onde há plantio de alimentos o governo só vai financiar a cultura da cana em pastagens e em terras já degradadas”, disse o ministro. Especialistas do Mapa acreditam que é possível utilizar 20% da área dos pastos com lavouras sem que isso atrapalhe a produção pecuária.
Embora o governo não possa obrigar o produtor a plantar esse ou aquele produto em sua terra, a idéia é desestimular a substituição de outras culturas pela cana deixando de fornecer incentivos fiscais e crédito. Conforme a ANBA antecipou ontem, o novo zoneamento revela que o Brasil tem mais 40 milhões de hectares propícios pra a cana sem que se tenha de utilizar áreas de outras lavouras ou desmatar.
“No Brasil não existe conflito entre produção de alimentos e de energia”, afirmou Stephanes. “A cada ano o país produz cada vez mais excedentes de alimentos para exportação, e para evitar acusações tomamos o cuidado de deixar claro que não há esse conflito no zoneamento. Ele é mais rigoroso por se tratar de uma discussão emblemática”, acrescentou.
Segurança
“Nossa política de biocombustíveis leva em consideração a segurança alimentar, o aquecimento global e as convenções internacionais para evitar a emissão de gases causadores do efeito estufa”, ressaltou Dilma. Ela destacou que desde 1973 para cá a produção de etanol aumentou muito mais do que a área plantada de cana, e o mesmo ocorreu com outros produtos agrícolas, especialmente os grãos.
A produção de álcool combustível passou de 3,2 mil litros por hectare para 6,6 mil litros atualmente. Paralelamente, a colheita de grãos cresceu 142%, ao passo que a área utilizada aumentou em apenas 24%.
A ministra acrescentou que a cadeia produtiva do etanol como um todo representa 90% a menos de emissão de gases nocivos em comparação com a indústria petrolífera. Desde 1973 até hoje, segundo Dilma, o uso do álcool em larga escala resultou em 800 milhões de toneladas de CO2 a menos na atmosfera.
A ministra ressaltou a intenção do Brasil em ver os biocombustíveis transformados em alternativa real para a diversificação na matriz energética mundial, especialmente no setor de transportes, dominado pelos derivados do petróleo. “Inevitavelmente o mundo vai mudar de uma economia baseada no carbono para uma era pós-carbono, baseada talvez no hidrogênio”, disse. “Mas o hidrogênio deve vir apenas na década de 2020 ou 2030 e, nesse período de transição, uma das pontes para reduzir a emissão de gases é ampliar a presença dos biocombustíveis na matriz energética dos transportes”, declarou. Ela destacou que o Brasil está disposto a compartilhar com outros países interessados o conhecimento adquirido em mais de três décadas de uso do etanol em larga escala.
“Esse caminho deve ser trilhado de forma certa e contínua, mesmo o próprio Brasil sendo produtor e futuro exportador de petróleo”, disse Dilma. “Não estamos fazendo isso por falta de petróleo”, acrescentou. Segundo ela, o objetivo é garantir segurança no fornecimento mundial de uma fonte renovável de energia, reduzir o impacto ambiental da queima de combustíveis e produzir efeitos socioeconômicos positivos, especialmente em países em desenvolvimento. O governo brasileiro vê nos biocombustíveis uma oportunidade para promover segurança energética e desenvolvimento sustentável em nações da América Latina, África e Ásia.
Para a ministra, mais do que nunca a transformação do etanol em uma commodity produzida em diferentes países tornou-se importante. A implantação da cadeia produtiva em outras nações pode ser considerada uma política anticíclica para enfrentar os efeitos da crise financeira internacional. A adoção de medidas desenvolvimentistas pelos governos é uma das recomendações feitas pelo G-20, grupo que reúne as 20 maiores economias do mundo.
Dilma ressaltou que o Brasil continua investindo forte em pesquisa na área, passando agora a se concentrar mais nos chamados biocombustíveis de segunda geração, como o etanol feito a partir da celulose, que pode ser obtido do próprio bagaço da cana e dos restos de outras lavouras. “Estamos comemorando o advento de uma nova economia, a economia da bioenergia”, declarou.
O governador de São Paulo, José Serra, destacou que a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) destinou R$ 83 milhões este ano para pesquisas no setor e as três universidades estaduais (USP, Unicamp e Unesp) vão aplicar R$ 100 milhões nos próximos dois anos na área. Essas iniciativas, segundo ele, ocorrem em parceria com o governo federal e com empresas privadas, como a Dedini, que fabrica usinas de açúcar e álcool, e a Braskem, petroquímica que começou a produzir plástico a partir do etanol. O estado da região Sudeste é de longe o maior produtor de açúcar e álcool do Brasil.
Crédito e preço
Embora o mercado de etanol, no Brasil e lá fora, deva manter a tendência de crescimento, os produtores do ramo sucroalcooleiro sofrem os efeitos da crise financeira, especialmente por causa do arrocho do crédito, que acabou suspendendo investimentos que já anunciados. De acordo com o presidente da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Única), Marcos Jank, os US$ 30 bilhões em investimentos previstos pela indústria até 2012 serão revistos. Ele ressaltou, porém, que o total estimado entre 2005 e 2008, de US$ 20 bilhões, será efetivamente realizado.
O principal problema, segundo Jank, é falta de financiamentos para o capital de giro das empresas. A Unica tem mantido conversas com o governo no sentido de dar mais liquidez para o setor. No caso dos fornecedores de equipamentos para a indústria, o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Miguel Jorge, afirmou que uma linha de crédito específica deverá ser criada pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. (BNDES).
No primeiro painel da conferência, que tratou do tema da segurança energética, o norte-americano Paul Roberts, especialista em energia e alimentos, disse que o futuro do mercado internacional dos biocombustíveis vai depender muito do preço do petróleo. Ele ressaltou, no entanto, que se hoje o valor da commodity está relativamente baixo, na casa dos US$ 55 por barril, a tendência é de que volte ao patamar de US$ 100 nos próximos dois anos. Para Jank, nesse patamar o etanol brasileiro é competitivo.
“Ainda com a queda do preço do petróleo nosso etanol é competitivo”, disse o presidente da Petrobras Biocombustíveis, Alan Kardec Pinto. “Os países emergentes têm condições de suprir energia renovável para o mundo”, acrescentou.
O diretor-executivo adjunto da Agência Internacional de Energia (AIE), Richard Jones, disse que a tendência atual de uso de combustíveis fósseis é “insustentável”, mas ele destacou que é possível promover crescimento econômico com políticas de menor preço e menor emissão de poluentes. Ele ressaltou que os biocombustíveis são uma alternativa importante nesse sentido.
O alemão Cristoph Berg, diretor-geral da F.O Licht, agência de informações e análises sobre o mercado de commodities, disse que hoje a média mundial de etanol misturado na gasolina varia entre 3% e 4%, mas em 20 anos esse percentual vai passar para 10%. No Brasil a quantidade de álcool anidro na gasolina é de 25%.
Uma das reclamações do setor privado brasileiro é a sobretaxa imposta nos Estados Unidos ao etanol importado do Brasil. Alan Kardec Pinto ressaltou que barreiras e subsídios inibem a produção em países em desenvolvimento. Richard Jones ressaltou que o álcool produzido nos EUA não tem condições de competir com o brasileiro.
O ex-primeiro-ministro do Níger e diretor-executivo da ONG HUBRural, Ibrahim Assane Mayaki, destacou que o sucesso dos biocombustíveis na África depende da formação de um mercado regional.
A conferência segue até sexta-feira. Participam delegações de 92 países e cerca de 3 mil pessoas se increveram para assistir os debates.