Marina Sarruf
São Paulo – O criador de cavalo árabe, Manoel Leandro Filho, vai além do treinamento de cavalos em seu haras, localizado em Peruíbe, litoral sul de São Paulo. Ele oferece, gratuitamente, há mais de 15 anos, treinos para crianças carentes participarem de competições em provas de equitação. Seu trabalho já rendeu troféus, recordes nacionais, um recorde mundial e empregos para jovens que descobriram seus talentos com a ajuda de Manoel.
“É uma dificuldade muito grande manter o haras e ajudar os meninos, mas quando vejo um deles no pódio é uma satisfação enorme”, afirmou Manoel, que às vezes chega a vender seus cavalos para que as crianças se alimentem, viajem e sejam inscritas nas provas de hipismo. O sítio de Manoel, que fica atrás de uma favela, tem 10 mil metros quadrados e conta com uma pista e cinco cocheiras que abrigam cerca de 40 cavalos, sendo 26 da raça árabe. No entanto, os cavalos de Manoel somam apenas nove. Os demais são de proprietários que deixam seus animais para serem treinados por Manoel.
“Eu e minha mulher trazemos as crianças da região para ensinar a montar e a domar os cavalos. Em troca, elas me ajudam a lavar e escovar os cavalos”, explica Manoel, que está com 56 anos de idade e só treina crianças acima de oito anos de idade.
Uma prova concreta dos esforços de Manoel são os mais de 100 troféus que suas crianças já ganharam. O jovem José Luis Arranjo, chamado de Luizinho, 20 anos, começou a treinar no haras de Manoel com oito anos de idade e atualmente já foi 10 vezes campeão nacional nas provas de tambor e baliza com o cavalo árabe Irion Mc Coy. Além disso, ele bateu o recorde mundial na prova de três tambores, em 2002, com um tempo de 18 segundos e 559 milésimos de segundo.
"Meu sonho é continuar treinando por enquanto. Minha vida melhorou bastante depois que eu comecei a treinar. No futuro penso em fazer uma faculdade", disse Luizinho. Segundo ele, sua paixão por cavalo vem desde criança porque seu pai já criava cavalos em casa. "Com o dinheiro que ganhei nas provas fiz uma cocheira lá em casa e dou aulas para crianças. Tenho 12 cavalos. Dois são meus, quatro da minha família e os outros são do pessoal que deixa lá para eu cuidar", completou.
Outro exemplo bem sucedido é o caso do Thiago Gomes Rocha, um menino simples, que começou a treinar aos 13 anos e já foi treinador de cavalos em Toulose, na França. Rocha, em 2001, conquistou o título de campeão nacional nas provas de tambor e baliza. Já na categoria júnior, Vando de Oliveira, de 16 anos, ganhou recentemente duas provas no Campeonato Interestadual do Cavalo Árabe, que foi realizado entre os dias 24 e 26 de março, em Avaré, interior de São Paulo. "É um menino que mora na favela e que vem se destacando. O irmão dele, de 12 anos, também ganhou o vice-campeonato na prova dos três tambores em Avaré", disse Manoel.
Nem só meninos são treinados por Manoel. Marta Regina de Oliveira, de 23 anos, já foi campeã nacional quatro vezes e recebeu o título de melhor amazonas, na categoria amadora feminina.
De acordo com Manoel, seu haras já é bem conhecido em Peruíbe, porém, a falta de verba e patrocínio é um problema. "Só para levar os cavalos para um campeonato num caminhão custa R$ 1,8 mil, fora a inscrição, local para dormir e transporte para os meninos. A gente se vira. Dormimos no carro, em redes e até no chão", conta. Para o último campeonato em Avaré, um empresário da cidade ajudou Manoel a alugar um caminhão para levar os cavalos e a prefeitura conseguiu uma van para transportar os meninos. "Mas precisamos de mais apoio", conclui.
Manoel e suas crianças também já participaram de provas e exposições em outros estados, como Rio de Janeiro e Brasília. "Em Brasília fomos convidados para fazer uma apresentação durante um festival árabe. Até um xeque veio falar comigo", disse Manoel.
Um sonho
O sonho de adolescência de Manoel era ter um cavalo árabe. No entanto, esse desejo sempre pareceu estar muito longe de sua realidade. Ele foi criado num sítio em São João do Sabogi, no Rio Grande do Norte, e não teve condições financeiras de terminar os estudos. Após anos de muito suor e horas extras, Manoel conseguiu comprar seu cavalo.
"A primeira vez que vi um cavalo árabe foi no Rio Grande do Norte, quando um senador levou o animal para Serra Negra do Norte, uma cidade próxima da minha. Quando eu vi o cavalo, me apaixonei, queria ter um. Mas era um sonho absurdo", conta Manoel. Segundo ele, o cavalo árabe se diferencia dos demais por sua cabeça inclinada, sua resistência, inteligência e beleza. "É um cavalo completo. Um líder mundial em resistência. Corre 160 quilômetros por dia", disse.
Até construir seu haras, em Peruíbe, Manoel trabalhou como motorista em Brasília e metalúrgico em São Paulo. O primeiro cavalo árabe de Manoel foi comprado num leilão, parcelado em 10 vezes. "Era um potro, chamava Shalad. Fiquei apenas três meses com ele, depois tive que vender porque não tinha como continuar pagando", afirmou. Mais tarde, Manoel conseguiu comprar um cavalo árabe e começou a treinar. "Eu ganhei alguns cavalos. Às vezes, preciso vendê-los para manter a escolinha, mas depois de um tempo o dono me devolve para eu cuidar", explicou.
Um dos xodós de Manoel é o Irion Mc Coy, que já tem 16 anos. "Registrei meu haras com este nome. O Mc Coy já foi 15 vezes campeão nacional, sendo 10 vezes com o Luizinho", contou. Para Manoel, o seu maior orgulho é ver suas crianças ganharem, principalmente quando competem com jovens de alto poder aquisitivo. "Quando a gente ganha dos meninos ricos é uma felicidade inexplicável".