São Paulo – Há 11 anos, um grupo de alunos de graduação, pós-graduação, mestrado, doutorado e pós-doc se juntou para discutir, e tentar superar juntos, os desafios da tradução literária árabe no Brasil. Nascia o Tarjama, que significa ‘tradução’ em árabe, um coletivo coordenado por Safa Jubran, libanesa de Marjeyoun, que desembarcou no Brasil em 1982 e aqui ficou, tornou-se professora na Universidade de São Paulo (USP), pesquisadora e a mais respeitada tradutora de árabe para livros de literatura do país.
O grupo de pesquisa está ligado à mesma instituição onde Safa leciona e foi aprovado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). “É como se fosse uma escola de tradutores de literatura árabe moderna, onde as pessoas entram, estudam, aprendem e saem ou não. Não é um grupo de profissionais, mas de aprendizes”, faz questão de frisar. Segundo Safa, 90% de seus integrantes são brasileiros sem qualquer ascendência árabe. “E alguns já têm traduções publicadas”, conta.
Safa lembra que quando chegou ao Brasil havia pouca oferta de traduções literárias, pois as editoras não se interessavam pela literatura árabe. “A única exceção era para o caso do Livro das mil e uma noites.”. Porém, isso mudou ao longo dos anos, e ela destaca algumas razões. “O interesse das editoras brasileiras e do público pela literatura árabe traduzida diretamente, sem a intermediação de outra língua estrangeira, começou a crescer quando o egípcio Naguib Mahfuz ganhou o Prêmio Nobel de Literatura, em 1988; e, depois, com os eventos do 11 de Setembro.” Mas, na opinião de Safa, o momento mais importante dessa descoberta está em curso, com a criação de uma editora focada na publicação de literatura árabe. “A Tabla tem disponibilizado um grande número de traduções diretas e de grande qualidade”, diz.
Desde sua criação, em 2013, o trabalho do Tarjama foi interrompido algumas vezes, mas a partir da pandemia, as reuniões passaram a ser on-line e isso permitiu a participação de pessoas que não vivem no Brasil. Na dinâmica do trabalho, os participantes apresentam suas sugestões de tradução para um trecho pré-selecionado. “Todo ano escolhemos um material diferente. Já trabalhamos com contos, depois com uma novela, e voltamos para os contos”, diz ela. Esses primeiros contos traduzidos foram publicados na revista acadêmica “Criação e Crítica” (2020), e a novela está sendo revisada para uma futura publicação. “Estamos preparando o conjunto de contos deste ano para serem publicados em uma outra revista acadêmica, ampliando assim a divulgação dos resultados do trabalho do Tarjama.”
Para executar o trabalho, a professora diz que há dificuldades de vários tipos, algumas inerentes ao próprio processo de tradução ou intermediação entre duas línguas e várias culturas. “Cada obra tem suas dificuldades e seus desafios de tradução. É basicamente isso que discutimos no Tarjama.” Ela explica que um dos obstáculos que perpassam praticamente todos os textos é a adequação do tempo verbal: “o português e o árabe lidam com esse fato de formas muito distintas. Há, também, a dificuldade de marcar as falas dialetais que podem aparecer no texto, além das expressões idiomáticas próprias de cada uma das línguas.”
Safa Jubran
Ao desembarcar no Brasil, Safa não falava português, mas quando decidiu se estabelecer no País começou a estudar, prestou vestibular e entrou na universidade. “Aprender a língua portuguesa não foi fácil, exigiu muita dedicação da minha parte e, na verdade, mesmo com mais de 40 anos aqui, continuo aprendendo”, revela. Sob seus cuidados, mais de 20 títulos, incluindo textos clássicos e uma gramática, foram vertidos para o idioma de Camões, além de outros tantos que ela traduziu do português para sua língua materna. Para 2025, o plano do Tarjama é trabalhar com textos de jovens escritores sobre temáticas contemporâneas. “Jovens sendo traduzidos por jovens.”
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