O agronegócio brasileiro já foi afetado pela crise econômica, claro que em menor escala, quando comparado a outros setores da economia. Essa é a opinião de Eugênio Stefanello, professor de Economia Rural da Universidade Federal do Paraná e técnico da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Ele aponta, por exemplo, a queda dos preços internacionais das commodities e a redução da oferta de crédito para o custeio como efeitos negativos do imbróglio financeiro mundial. Do lado, digamos, positivo, Stefanello cita o aumento da taxa de câmbio. “O setor exporta mais do que importa”, afirma.
Na entrevista que concedeu à ANBA, Stefanello, disse, ainda, que a crise econômica que hoje assusta o mundo é conseqüência das mazelas do sistema financeiro americano. Afirmou também que os esforços da União Européia para combater a crise estão sendo mais eficientes que o pacote de Bush. Acompanhe abaixo os principais trechos da entrevista.
ANBA – O pacote americano, somado à ação coordenada de países da zona do euro, Reino Unido e nações de Oceania e Oriente Médio permitiu a liberação de US$ 2,4 trilhões para socorrer o sistema financeiro global. Essas medidas são suficientes para acabar com a crise ou ao menos reduzir seus efeitos sobre a economia mundial, principalmente dos chamados países emergentes?
Eugênio Stefanello – Antes de qualquer avaliação é preciso sempre lembrar que a crise atual no sistema financeiro decorre dos seguintes fatores principais. Primeiro, pelo excesso de liquidez criado pelos EUA para sustentar seu esforço de guerra (a invasão do Iraque). Segundo pela super-alavancagem dos bancos, que gerou um excesso de crédito, ampliado em maior grau pela criação dos derivativos. Isto cria uma bolha de especulação dos ativos, com a conseqüente valorização dos seus preços e a desvinculação destes com o mundo real. O efeito contrário ocorre quando o sistema financeiro é tomado pela desconfiança, gerando uma falta de crédito que provoca a desvalorização dos ativos. A coordenação de esforços dos governos e dos bancos centrais visando o restabelecimento da confiança é a única saída. Neste caso, os esforços dos países da UE foram mais eficientes do que as medidas tomadas pelos EUA.
Vários países já anunciaram pacotes para conter os efeitos da crise? O Brasil não deveria fazer o mesmo?
O Banco Central está tomando as medidas, como a redução dos recolhimentos compulsórios, que aumentam a disponibilidade de recursos para crédito nas instituições financeiras. Se todas as medidas anunciadas forem efetivadas, o aumento seria de R$ 160 bilhões. O problema é que os bancos não emprestam enquanto não tiverem uma certeza de como andará a atividade econômica e esta fatalmente sofrerá uma redução em 2009, devido a redução na demanda externa.
O agronegócio, carro chefe da economia brasileira, já foi afetado pelo crise? De que maneira?
Sim. O agronegócio já foi afetado pela crise na queda dos preços internacionais dos commodities, com efeito negativo sobre a receita dos produtores; no aumento da taxa de câmbio, com efeito positivo, porque o setor mais exporta do que importa; e na redução da oferta de crédito para o custeio das lavouras dos médios e grandes produtores e para as exportações. Isto fará com que a próxima safra de grãos 2008/09 seja menor do que a atual.
Já esta faltando crédito para o agricultor?
Essa crise vai ter conseqüências diretas no crédito rural da próxima safra, entre as quais: menos recursos em função da redução dos depósitos à vista e das exigibilidades bancárias; seletividade maior e prazos menores; aumento dos juros de mercado; atraso na liberação; limite oferta de crédito para a venda de insumos e a compra antecipada de produtos (CPR); menos crédito de comercialização e de exportação, entre outros. O aumento dos custos de produção é irreversível e deve chegar próximo a 20% no segundo semestre de 2009, como das taxas de juros, que devem ir de 9 a 10% para 12 a 22%.
Na cadeia produtiva do agronegócio quais os segmentos mais afetados pela redução do crédito?
Os segmentos mais afetados pela falta de crédito são a exportação e o financiamento para os médios e os grandes produtores. O BACEN não está, no entanto, reduzindo a taxa básica de juros, que também seria muito importante neste momento, para manter o dinamismo da atividade econômica. É preciso lembrar também que os bancos não estão financiando os produtores que renegociaram suas dívidas e este é um dos principais problemas. E não dá para obrigá-los a financiar, a não ser que o governo concorra oferecendo garantias adicionais. A oferta de mais recursos para crédito às exportações e aos grandes produtores adimplentes é muito importante, para não reduzir a produção e o fluxo de exportações, principalmente quando a demanda internacional tende a mostrar sinais de enfraquecimento. O aumento da exigibilidade sobre os depósitos a vista de 25% para 30% tende apenas a compensar o menor volume de recursos deixados como depósito a vista nos bancos, mas também é importante porque gera um pequeno adicional de oferta de recursos para o crédito rural.
Com o crédito escasso, o produtor encontrará, segundo analistas, dificuldades para manter a produção e a produtividade. O senhor concorda?
Se houver menor crescimento do PIB mundial e da demanda mundial, os preços dos insumos não sofrem pressão de alta. Se a taxa de câmbio aumentar, os preços dos insumos importados ficam mais caros, afetando os produtores que produzem mercadorias para o mercado interno. Se exportarem, o efeito positivo sobre a receita compensará o aumento do custo. O produtor jamais deve esquecer de empregar a melhor tecnologia, que aumenta a produtividade e também o custo total por hectare, mas reduz o custo por unidade do produto produzido. E é isto que interessa, porque confere a este produtor maior competitividade.
Diante desse quadro qual o cenário que o senhor enxerga para o agronegócio brasileiro em 2009?
Em 2009 a safra de grãos, na melhor das hipóteses, repete a safra 2007/08, com redução da produção do milho e do trigo e aumento da de soja e feijão. Na pecuária, haverá redução na produção de leite e aumento na de carnes de frango, bovina e suína. As exportações tendem a crescer em menor ritmo, devido à redução do PIB brasileiro e do comércio mundial. E os preços das commodities tendem a ser menores devido à redução do componente especulativo dos fundos sobre os preços.
A crise está mostrando a fragilidade do sistema de financiamento da agricultura brasileira e, por conseqüência, do agronegócio. Não seria essa a hora de se promover mudanças no sistema de financiamento atual?
Entre os principais problemas do sistema financeiro podemos citar a falta de regulamentação e controle, a alta alavancagem decorrente e ampliada pela existência dos derivativos e o alto risco. Entendo que, da crise, surgirão medidas de controle e prudenciais, que deverão tornar os bancos menos alavancados em crédito e mais exigentes na concessão de financiamentos.
E com relação ao agronegócio especificamente?
No caso do agronegócio brasileiro, o sistema de crédito direcionado, com taxas de juros controladas, tem fontes de recursos que dependem da atividade econômica e de alguns fundos, e atende a apenas 30% das necessidades dos produtores. Os 70% restantes devem ser supridos por recursos próprios, por tradings e por financiamentos a juros de mercado. Pior, o seguro agrícola é pouco abrangente e a política de garantia de preços mínimos não é universal. Portanto, o objetivo de estabilizar a renda dos produtores fica em grande parte comprometido, e isto pode ser comprovado pelas sucessivas renegociações de dívidas que o governo deve fazer.
Diante desse quadro, o senhor acha que o agronegócio continuará mantendo o ritmo de suas exportações?
A sustentabilidade do agronegócio depende muito do quadripé: tecnologia (pesquisa e desenvolvimento tecnológico), defesa sanitária, políticas de estabilização da renda (crédito, seguro e política de preços mínimos, fundamentadas na solução dos problemas internos do setor) e infra-estrutura de suporte à produção e à comercialização.
Apesar dos pesares, a produção agropecuária avançou bastante em volume e em produtividade. Mas ficará cada vez mais difícil competir internacionalmente sem a solução destes problemas internos.