Alexandre Rocha
São Paulo – Os empresários brasileiros precisam buscar de forma mais incisiva as oportunidades de negócios existentes na Argélia, país que, levando-se em conta a corrente comercial (exportações mais importações), é o principal parceiro comercial do Brasil no mundo árabe, o segundo maior na África e o 7° colocado entre as nações em desenvolvimento. A opinião é de Sérgio Danese, que vai assumir até o final do ano o cargo de embaixador do Brasil em Argel, em substituição a Isnard Penha Brasil Júnior, que deverá ir para a Arábia Saudita.
"É preciso olhar e não perder as oportunidades. Porque se nós perdermos, não tenha dúvidas, tem muita gente de olho", disse ele ontem (18) à ANBA durante visita à sede da Câmara de Comércio Árabe Brasileira (CCAB), em São Paulo. "É um mercado que está se abrindo, em crescimento, uma economia baseada no petróleo que lhe dá uma alavancagem extraordinária e está absorvendo muitos produtos nos quais nós temos competitividade."
Danese, que atualmente ocupa o cargo de ministro-conselheiro da embaixada do Brasil em Buenos Aires, está fazendo uma espécie de roadshow por algumas cidades brasileiras com o objetivo de falar com empresários, associações e órgão governamentais, sobre as oportunidades de parcerias econômicas existentes no país árabe. Ele já esteve em Brasília, no Rio de Janeiro, passa alguns dias em São Paulo e depois segue para Porto Alegre, no Rio Grande do Sul.
Ele tem destacado, entre outras coisas, o plano qüinqüenal recentemente aprovado pelo governo argelino, que prevê investimentos de US$ 56 bilhões em obras de infra-estrutura, habitação, saúde, educação, entre outras áreas. "Além de ter um efeito multiplicador na economia argelina, isso vai criar oportunidades diretas de negócios", afirmou.
Danese defende, inclusive, a abertura de um processo de negociação para um acordo de preferências tarifárias entre o Mercosul e a Argélia, a exemplo do que o bloco sul-americano já está fazendo com o Egito, Marrocos e com o Conselho de Cooperação do Golfo (GCC). "Os dados concretos do comércio me fazem crer que a Argélia seria um parceiro natural", declarou.
Aos 50 anos, o diplomata de carreira formado em letras, já trabalhou nas embaixadas do Brasil em Washington, na Cidade do México, Paris e está há cinco anos na capital argentina, onde atua na área econômica. Em seus outros postos, no entanto, teve forte atuação como conselheiro político. Foi, por exemplo, assessor do ex-ministro Rubens Ricupero, da secretaria-geral do Ministério das Relações exteriores e do ex-chanceler Luiz Felipe Lampreia. Leia a seguir os principais trechos da entrevista:
ANBA – Fale um pouco sobre as visitas que o senhor vem fazendo.
Sérgio Danese – Estou falando com as empresas que tenham interesse real ou potencial na Argélia. Estive com os ministros das Minas e Energia, Silas Rondeau, da Agricultura, Roberto Rodrigues, e com o secretário-executivo do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Ivan Ramalho. Conversei sobre um trabalho didático e que tem se mostrado útil. A idéia é colocar a Argélia sob um foco de atenção que nem sempre é óbvio. A Argélia é um país que está retornando com muita força para as relações internacionais. Hoje é um país que atrai muito interesse de parceiros desenvolvidos e em desenvolvimento, que está recuperando uma pujança baseada na economia do petróleo e que vive uma situação nova, de abertura da economia, de estabilidade e abertura política. É uma sociedade democrática que conseguiu superar os problemas tão graves que enfrentou na década de 90. O objetivo é recolocar para muita gente a Argélia no radar.
Esta é a primeira experiência do senhor com um país árabe?
É a primeira experiência direta. Porque como conselheiro político na secretaria-geral do Itamaraty e no gabinete do chanceler, lidei muito com a política brasileira para os países árabes. Eu ajudei, por exemplo, a preparar a viagem que o ministro Lampreia fez ao Líbano em 1996 e nós chegamos a tentar preparar a visita do presidente Fernando Henrique, que acabou não sendo possível. Ou seja, o gabinete dá uma visão geral de toda a política externa. E eu supervisionei muito dessa política.
A atuação do senhor na Argélia terá uma ênfase importante na área econômica?
Sem dúvida. A Argélia é um parceiro político fundamental. É um país muito ativo entre os países em desenvolvimento, tem uma tradição de diplomacia muito ativa, interessada, presente. Ela tem esse grande protagonismo nas Nações Unidas, por exemplo, nas organizações regionais, como a Liga dos Estados Árabes, que ela ocupa a presidência temporária, na União Africana e nos foros políticos em Genebra. Além disso, o governo do presidente (Luiz Inácio) Lula (da Silva) deu uma nova ênfase ao que já era um paradigma da nossa política externa: que é a nossa política para o mundo árabe. Ela já vem dos anos 70 mais ou menos, mas até de antes. Nós fomos um dos países que reconheceram a independência da Argélia com maior rapidez, já em 1962 mesmo. A prova cabal (dessa ênfase) foi a realização da cúpula dos países árabes e sul-americanos. A Argélia tem uma dimensão árabe e africana, então ela contempla dois eixos de nossa política externa que ganharam uma ênfase importante no governo Lula.
Nossa balança comercial com a Argélia é muito deficitária. Na área econômica o senhor já pensa em ações ou oportunidades?
A balança é estruturalmente deficitária. Por enquanto eu estou olhando a Argélia com um olhar externo, mas com grande interesse. Eu acho que a Argélia representa para nós, do ponto de vista econômico, uma parceria muito importante. Ela é o nosso segundo parceiro comercial na África e é nosso primeiro parceiro no mundo árabe. Muitas pessoas ficam surpresas ao saber disse. Ela já ocupa um lugar importante na relação econômica externa brasileira. Ela é o nosso 17° parceiro comercial e o nosso 7° parceiro entre os países em desenvolvimento e isso precisa ser valorizado. Outra coisa importante é que, na outra mão, nós somos o primeiro parceiro da Argélia entre os países em desenvolvimento.
Mas que oportunidades podem existir em termos de setores, por exemplo?
Olhando a série histórica de comércio podemos ver que as oportunidades estão aparecendo em todos os setores. A nossa pauta para a Argélia é muito diversificada, cobre mais ou menos 100 produtos, vários deles industrializados com muito valor agregado, com muitos manufaturados de origem agropecuária. E há um crescimento muito acelerado desse comércio nos últimos dois ou três anos, numa média de 100% ao ano. Isso mostra que você está lidando com um mercado que está em abertura, em crescimento, com uma economia baseada no petróleo que obviamente dá uma alavancagem extraordinária para esse mercado, e ele está absorvendo muitos produtos que nós temos competitividade. E eles também estão procurando parcerias. É natural isso, que os países não queiram apenas comprar os produtos, que eles queiram também agregar valor. A Argélia está em uma situação fiscal muito boa, com uma economia muito bem administrada. Ela acabou de lançar um plano qüinqüenal 2005-2009, que prevê investimentos da ordem de US$ 56 bilhões, que vão ser repartidos em várias áreas, com metade para os setores de infra-estrutura e de habitação popular, saúde e educação. Isso, naturalmente, além de dar um dinamismo para a economia, um efeito multiplicador, vai criar oportunidades diretas de negócios, tanto na área de serviços, como na área de bens e equipamentos.
Qual a mensagem que o senhor tem passado aos empresários?
A mensagem que eu tenho passado é que é preciso que aqueles que ainda não estão olhando para a Argélia como um parceiro econômico importante, que o façam, porque é uma grande oportunidade. É um mercado que está crescendo e que está sendo muito cobiçado. Outros países estão trabalhando esse mercado com grande interesse. Uma outra coisa importante, que eu tenho colocado de maneira positiva, é que a Argélia assinou em 2002 um acordo de associação com a União Européia amplo, ambicioso, que tem uma dimensão de chegar ao livre comércio. E ele terá um efeito importante sobre a relação que a Argélia tem com a Europa, que já é muito intensa. Esse acordo entra em vigor a partir de 1° de setembro. Eu vejo esse acordo como uma espécie de crédito de confiança e de interesse que a Europa está dando para Argélia.
O senhor acha que o Brasil, ou o Mercosul, deve buscar um acordo semelhante, como já vem fazendo com o Egito, Marrocos e GCC?
Sem dúvida. Eu até tenho começado a defender isso. Se nós já fizemos acordos-quadro e estamos negociando acordos de preferências fixas com o Egito e com o Marrocos, que eu acho muito importante, eu creio que todo esse panorama que eu dei, inclusive com os dados concretos do comércio, me leva a crer que a Argélia seria um parceiro natural para nós procurarmos explorar algo desse tipo. Nós teremos necessidade de alguma proteção, de algum tipo de preferência tarifária para competir em melhores condições no mercado argelino, até por causa do acordo com a União Européia. E porque também eles são um mercado no qual nós podemos ser competitivos. Eu acho que a Argélia deve ser objeto de uma atenção prioritária.
O senhor acha que o Brasil pode se beneficiar do acordo com a UE por meio de parcerias?
Eu tenho impressão que sim. Claro que isso é algo que virá mais a médio e longo prazos. No momento atual é preciso responder a uma demanda imediata que o mercado argelino tem, porque ele acabou de se abrir e está crescendo. O que eu digo é que é preciso olhar e não perder as oportunidades. Se nós perdermos as oportunidades, não tenha a menor dúvida que tem muito mais gente de olho.