Giuliana Napolitano
São Paulo – Nem o fato de o Brasil ter uma das maiores bacias hidrográficas do planeta, nem a constatação de que o sistema rodoviário não tem capacidade para transportar a maior parte dos bens produzidos do país, nem os custos menores. Nada disso, dizem os críticos, tem sido capaz de desviar a atenção do governo brasileiro para o transporte hidroviário.
De acordo com dados do próprio Ministério dos Transportes, o sistema hidroviário é cinco vezes mais barato que o rodoviário e três vezes mais barato que o ferroviário. Isso acontece em razão da quantidade de cargas transportadas. "Um caminhão leva cerca de 35 toneladas. Uma barcaça consegue levar 20 mil toneladas", disse à ANBA Paulo Augusto Vivacqua, presidente do Corredor Atlântico, uma organização sem fins lucrativos que tem por objetivo discutir formas de melhorar a infra-estrutura e a logística para promover a integração do Brasil com a América Latina.
Ainda assim, o país explora apenas 2% da capacidade das hidrovias, estima Vivacqua. Segundo ele, o sistema conseguiria transportar até 100 milhões de toneladas de bens, mas hoje leva apenas 2 milhões.
A principal causa apontada para esse baixo aproveitamento é a priorização do transporte rodoviário. "O Brasil fez uma clara opção pelas rodovias no século 20. Basta ver que boa parte das indústrias do país foi construída às margens de estradas, e não de ferrovias ou hidrovias", afirma Vivacqua. "É uma distorção do pensamento estratégico, porque o sistema viário é muito mais caro."
Nas contas do Ministério, 63% do transporte de cargas no país é feito via rodovias; 24%, por ferrovias; e 13% por água. Desses 13%, apenas 5% ficam com as hidrovias. A meta, porém, é aumentar o número. "Queremos chegar a 20%", declarou o diretor da Secretaria de Transportes Aquaviários do Ministério, Paulo de Tarso.
Vocação
Há potencial, avaliam especialistas. Mas ele não é explorado. "A potencialidade das hidrovias brasileiras ainda não é traduzida em potencialidade de transporte", diz um estudo feito em 2002 pela Confederação Nacional do Transporte (CNT). De acordo com a pesquisa, as principais hidrovias do país são: Tietê-Paraná, São Francisco, Paraná-Paraguai, Araguaia-Tocantins, além dos rios da Bacia Amazônica e da Bacia Sudeste.
Para a CNT, a "vocação" das hidrovias brasileiras é o transporte de produtos agrícolas, insumos do setor, como fertilizantes e combustíveis, além de produtos como minério de ferro. "Vários rios caudalosos da margem direita do rio Amazonas, entre eles o Tocantins, Xingu, Tapajós e o Madeira, já despertam interesse empresarial em virtude da facilidade de transporte a partir dos pólos agrícolas de Mato Grosso, Tocantins, Goiás, Rondônia e Pará rumo aos mercados europeus e asiáticos", afirma o estudo.
"Já bacias como as dos rios São Francisco, Paraná-Paraguai, Tietê-Paraná e da malha do Rio Grande do Sul têm relevante importância regional, pois encontram-se nas áreas de desenvolvimento agrícola mais promissoras do país", completa.
Investimentos
Faltam obras em muitas dessas hidrovias, mas para Paulo Vivacqua a relação custo-benefício desses investimentos, quando comparados aos recursos que precisam ser desembolsados para recuperar rodovias, por exemplo, é bem maior. Segundo ele, aportes de R$ 200 milhões seriam suficientes para "deixar tinindo" as hidrovias Paraná-Paraguai e Araguaia-Tocantins. As duas cobririam extensões de cerca de 5 mil quilômetros.
Para terminar a duplicação de duas rodovias, iniciar obras numa terceira e recapear as principais estradas usadas no escoamento da safra, o governo federal anunciou neste ano investimentos de mais de R$ 600 milhões.
No orçamento de 2004 do Ministério dos Transportes, está previsto o direcionamento de cerca de R$ 1 bilhão apenas para "manutenção e restauração" de rodovias. Até abril de 2005 o governo quer investir R$ 2 bilhões na recuperação de 25% da malha rodoviária federal.
"A manutenção das hidrovias também é mais barata. É preciso fazer investimentos iniciais, como a remoção de obstáculos do leito – rocha, por exemplo – e colocar sinalização. Depois disso, precisa-se de muito pouco ", lembra o especialista.
Desenvolvimento regional
Para o governo, o desenvolvimento das hidrovias pode gerar mais benefício adicional: o "desenvolvimento econômico, social, demográfico e ambiental" dos locais que ficam próximos, diz o estudo da CNT. Segundo a entidade, foi o que aconteceu nos Estados Unidos e em países europeus. "Embora as obras fluviais tivessem sempre como conseqüência a navegação, o objetivo principal ali sempre foi o desenvolvimento regional, o controle das cheias e a utilização racional e harmoniosa das águas".
Uma desvantagem do sistema hidroviário é o tempo de transporte. É um sistema mais lento, admite Vivacqua. "Uma carga que leva dois dias para chegar ao destino de caminhão pode demorar quatro de barco", afirma. "Mas é preciso levar em conta a condição das estradas, de segurança e também os custos, que são bem menores. Se o tempo não for crítico, com certeza, as hidrovias são a melhor opção".