Alexandre Rocha, enviado especial
alexandre.rocha@anba.com.br
Dubai – Os Emirados Árabes Unidos aproveitaram os petrodólares para impulsionar uma atividade que há séculos é importante na região: o comércio internacional. Dubai, em especial, foi favorecido por sua geografia. O Dubai Creek, braço de mar que entra cerca de 10 quilômetros deserto adentro, é um porto natural e a cidade se desenvolveu a partir de suas margens.
Inicialmente o comércio de pérolas, encontradas nas águas do Golfo, era a atividade principal, mas a partir dos anos de 1930 ela entrou em decadência. No final da mesma década o Creek foi dragado, permitindo a entrada de navios de maior porte e selando a vocação do emirado como entreposto comercial. Na segunda metade da década de 60 foi descoberto o petróleo, sendo que as receitas foram utilizadas para diversificar a base econômica local.
Portos modernos foram construídos, o que diminuiu a importância do Creek, vieram os arranha-céus, as avenidas largas, os shopping centers e os resorts de alto luxo. O braço de mar, no entanto, continua lá, dividindo a cidade em duas, e intenso em atividades.
A Dubai moderna, futurista até, tem sido objeto de incontáveis reportagens em jornais, revistas, sites e redes de TV ao redor do mundo, mas a ANBA mostra hoje uma faceta diferente do emirado, mais romântica, histórica, mas não menos vibrante.
Para quem quer conhecer esse outro lado de Dubai, uma idéia é começar a visita por Bur Dubai, o bairro mais antigo da cidade, localizado na margem sul do Creek, à esquerda de quem olha para o Golfo.
Lá está o Museu de Dubai, instalado no Forte Al Fahidi, construído por volta de 1800 para defender a cidade. As muralhas e torres cor de areia estão em bom estado de conservação. O pátio interno e as salas do andar térreo exibem objetos antigos do emirado, como uma casa típica, feita com fibras de tamareiras, barcos e armas.
A grande surpresa, no entanto, está na galeria localizada no subsolo. Além de quadros explicativos e vídeos sobre a história do emirado, foi reproduzida, com manequins, uma vila anterior à descoberta do petróleo, com lojas, oficinas, mesquita, casa de família, estaleiro, um acampamento beduíno, além de espécies da fauna e da flora local e artefatos arqueológicos que mostram que a região era habitada há cerca de quatro mil anos.
Estrangeiros
Em Bur Dubai é possível ver uma outra característica tradicional dos Emirados: a ampla presença de estrangeiros. Dos 4,9 milhões de habitantes do país, apenas 1,1 milhão são nativos. Radicadas lá, especialmente em Dubai, estão grandes colônia de indianos, paquistaneses, bengaleses, filipinos, iranianos, nacionais de outros países árabes, além de europeus, norte-americanos e, mais recentemente, brasileiros.
Basta andar na rua para ver a multiplicidade de origens e religiões. Em Bur Dubai, por exemplo, está a Grande Mesquita, bem em frente ao Forte Al Fahidi, a maior da cidade, mas lá também há um templo hindu e uma mesquita iraniana, toda decorada com azulejos no estilo persa.
Os estrangeiros são donos de várias lojas no bairro, que vendem produtos das mais diversas origens. No “Old Souq”, ou Souq dos Tecidos, mercado árabe restaurado, é possível encontrar produtos têxteis de diferentes procedências, além de souvenires a preços bastante razoáveis. Como em outros mercados do mundo árabe, a barganha na hora de comprar faz parte do jogo, mesmo que o comerciante não seja nativo.
Já na primeira metade do século 19 Dubai começou a ter uma população cosmopolita, característica que se acentuou com o aumento da importância da cidade como entreposto de comércio internacional. As ruas são uma verdadeira Babel, com os mais diferentes idiomas sendo falados, inclusive o árabe. A diversidade acaba tornando o inglês a língua mais utilizada.
Facilmente o visitante se depara com um taxista paquistanês, um garçom filipino, um lojista iraniano, uma dançarina de dança do ventre brasileira, uma cantora libanesa, uma executiva britânica, um gerente indiano e um recepcionista egípcio. Os indianos compõem a maior parte da população estrangeira, seguidos dos paquistaneses. “Cada um tem os seus produtos de preferência e é preciso ter sensibilidade cultural para atuar aqui”, disse Donal Kilalea, da agência de publicidade Fortune Promoseven, que atua nos Emirados.
Bur Dubai reúne também construções tradicionais do emirado, como a Bastakia, vila construída no início do século 20, e a casa do xeque Saeed Al Maktoum, emir de Dubai morto em 1958 e avô do atual governante, Mohammed Al Maktoum. Uma das características marcantes da arquitetura local são as torres de vento, espécie de ancestral do ar condicionado, que servem para captar o ar externo e ventilar o interior das edificações.
Comércio vibrante
Do outro lado do Creek, a apenas alguns minutos de travessia por “abra”, um pequeno barco de madeira movido a motor utilizado como transporte público, fica o bairro de Deira, habitado desde a primeira metade do século 19. Lá está o Souq das Especiarias, repleto de lojas que vendem açafrão, pistachos, pimentas, cardamomo, baunilha, incenso e outros produtos aromáticos; o Souq do Ouro, cujas vitrines lotadas de jóias são um espetáculo à parte; o Souq Coberto, onde as lojas vendem de tudo, muitas somente no atacado; o Souq dos Perfumes; e um comércio de rua que se assemelha bastante à nossa Rua 25 de Março, em São Paulo, templo do varejo popular.
Na margem do Creek, em Deira, está também o Dhow Wharfage, porto onde até hoje ancoram os “dhows”, barcos de madeira que são parte integrante da tradição comercial da cidade e símbolo de Dubai. Os persas estavam presentes na região como comerciantes desde a antiguidade e ainda hoje os “dhows” levam e trazem mercadorias do Irã, do outro lado do Golfo. Mudaram os produtos. Atualmente, ao passar pelo Dhow Wharfage, é possível ver caixas empilhadas contendo aparelhos de ar condicionado, televisores, fogões e todos os tipos de itens modernos de consumo.
Cerca de 70% das exportações do emirado são, na realidade, reexportações, ou seja, mercadorias compradas por empresários locais em determinados países e revendidas em outros. “Temos produtos que vêm das Américas e da Europa e são reexportados para a Ásia, África e outros países do Oriente Médio, e vice-versa. Não é difícil fazer logística em Dubai. Temos produtos do mundo inteiro”, observou o vice-presidente da Dubai Airports para a área de cargas, Ali Al Jallaf, demonstrando que o emirado é um local onde o Oriente encontra o Ocidente.
Adiante
Obviamente que hoje Dubai tem instalações bem mais modernas do que o cais na beira do Creek, como os portos de Jebel Ali e Rashid e a Dubai Cargo Village, o terminal de cargas do aeroporto local. Da mesma maneira, os negócios e as atividades de entretenimento se expandiram para os arranha-céus da Sheik Zayed Road, imensa avenida de 12 pistas, para os hotéis e resorts da Costa Sul, como o Madinat Jumeirah, o Burj Al Arab e a Dubai Marina, e para os vários shopping centers existentes na cidade.
E isso não vai parar tão cedo. Apesar de Dubai já há alguns anos ter um boom imobiliário, com empreendimentos principalmente voltados para negócios e turismo, ainda há muita coisa em construção e muito espaço para construir na topografia plana do emirado.
A cidade cresceu tanto que a região central, formada por Bur Dubai e Deira, ficou longe de muitas atrações. Assim como na capital brasileira, Brasília, Dubai não é uma cidade para se locomover a pé, dadas as longas distâncias, e o transporte público ainda não alcançou as necessidades existentes. O metrô, atualmente em construção, só deverá começar a operar no segundo semestre do próximo ano.
A cidade tem ônibus modernos, mas para o visitante o melhor meio de transporte é o táxi. Embora novos, confortáveis e razoavelmente baratos – uma corrida demorada custa no máximo uns 50 dirhans, o que dá mais ou menos R$ 25 -, não é fácil encontrar um táxi vazio. Pode-se perder facilmente meia hora, e até uma hora, para conseguir um, dependendo do horário. O trânsito é pesado, então é bom se programar para sair para os compromissos com antecedência.