São Paulo – Foi num início de julho que a Câmara de Comércio Árabe Brasileira, surgida do empreendedorismo de homens de negócios da colônia árabe, nasceu e começou a dar os seus primeiros passos rumo ao fomento do comércio do Brasil com a região. Reuniões aqui e acolá, contatos com lideranças árabes e nacionais, missões a um e outro mercado encaminhadas, e a Câmara foi desenhando o caminho para se tornar um importante alicerce das relações do País com o Oriente Médio e Norte da África. E acabou sendo assim reconhecida.
O empresário Walid Yazigi, de origem síria, acompanhou essa trajetória desde o início. Primeiro quando ouvia seu pai, um dos fundadores da Câmara Árabe, falar em sua casa sobre o engatinhar da entidade. Depois, no ano de 1977, quando ele mesmo, já adulto, assumiu uma das vice-presidências da instituição. De lá para cá foram poucos os anos nos quais ele não esteve presente na liderança da entidade. Na gestão 1981/1982, foi o presidente. Depois novamente em 1987/1988 e em 1989/1990.
Atualmente, quando o comércio do Brasil com o mundo árabe alcança US$ 25 bilhões anuais, Yazigi é presidente do conselho da entidade. Em 1989, ano mais recente do qual há informações eletrônicas do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC) sobre exportações e importações, a corrente de comércio com a região estava em US$ 4,3 bilhões. Confira abaixo alguns trechos da entrevista de Walid Yazigi sobre a Câmara Árabe concedida à ANBA.
ANBA – Que lembranças o senhor tem dos primeiros anos em que esteve na Câmara Árabe?
Walid Yazigi – Olha, eu tenho uma ligação afetiva muito grande com a Câmara Árabe porque a ata de fundação, feita há 60 anos, foi redigida de próprio punho por meu pai (José Nicolau Yazigi, primeiro secretário-geral da entidade). Ele foi um dos fundadores. Eu cresci ouvindo meu pai falar da Câmara Árabe. Em 1977, o então presidente, Sylvio Wagih Abdalla, me convidou para assumir a vice-presidência (para Assuntos Sociais da Câmara Árabe).
Como eram as atividades na década de 70, década de 80?
A Câmara Árabe, quando eu assumi a presidência (1981), ocupava um conjunto do prédio atual. (Hoje ela ocupa quatro andares do prédio). A Câmara tinha um funcionário, meio período, que dividia com o consulado da Síria. Quando eu assumi a presidência, eu convidei para trabalhar para a gente o Antônio Carlos Portinari Greggio. Ele era economista, funcionário aposentado do Ministério da Fazenda, um conhecedor profundo de comércio exterior e surpreendentemente um erudito em cultura árabe. Eu o convidei para ser secretário-geral, mas como ele conhecia cultura árabe, ele dizia: "Eu não posso assumir porque eu não tenho sobrenome árabe." A Câmara não tinha muita estrutura, havia apenas uma funcionária trabalhando meio período e ele, que não recebia remuneração. Ele era um Michel Alaby (o atual secretário-geral) da época, apesar de não ter formalmente essa função. Foi ele quem começou a transformar a entidade tecnicamente em uma câmara de comércio.
E quais as principais atividades dos seus anos de presidência?
Eu fui três vezes presidente da diretoria. Na minha primeira gestão, um pouco antes do fim dela, eu promovi uma missão empresarial brasileira para o mundo árabe, visitamos a Síria, o Iraque, a Arábia Saudita, depois Bahrein e Catar. Naquela época, o crescimento da economia árabe era explosivo, o preço do petróleo saltou. Então, o afluxo de dinheiro nos países produtores de petróleo foi colossal. O que ocorria em função disso? Era um caos viajar para lá, não havia horário de avião. Então, alertado pelo Portinari deste problema, a Câmara Árabe fretou um avião e levou 31 pessoas. A gente descia, participava das reuniões, ia para outro país. Foram empresas de peso aqui do Brasil, que conseguiram fazer grandes negócios lá.
Como o senhor avalia a trajetória da Câmara Árabe, a importância do trabalho da entidade para a economia brasileira nestes anos que o senhor a acompanhou?
A Câmara Árabe promove, essencialmente, a exportação de produtos brasileiros, enquanto que as demais câmaras de comércio representam os interesses de empresas do seu país que tem negócios aqui. Essa política nos dá muito respeito e credibilidade junto às autoridades brasileiras, às autoridades árabes, aos empresários daqui e de lá. E nós não participamos de vantagem alguma nas transações. Se um dia alguém receber um presente de alguma empresa, ele não deve permanecer na Câmara. Mas a Câmara Árabe, claro, cobra por seus serviços, como documentos de exportação, emissão de certificados.
O senhor avalia que a Câmara cumpriu bem esse papel de fomentar o comércio entre o Brasil e os países árabes nestes anos?
Melhor do que sonhavam os fundadores.
Como o senhor vê a evolução das nossas exportações para os países árabes, elas estão mais diversificadas em produtos, vão para um número maior de destinos?
Sim, nossa exportação chega a várias nações árabes. Nessa crise de 2008, inclusive, elas não foram muito afetadas. Um e outro país teve problema, mas as compras dos demais países compensaram. Nós nos expandimos muito no mundo árabe. Os empresários brasileiros foram se aproximando da Câmara Árabe e foi aumentando o leque de empresas que passaram a ter negócios com a região. Cada vez há mais negócios e mais consolidados em um número maior de países. Houve aproximação muito grande entre os empresários daqui com empresários, governos e economias de lá. E a Câmara Árabe só não se envolve com importação de petróleo e com exportação de armamentos. No resto, a Câmara participa de tudo.
O Brasil hoje está mais conhecido no mundo árabe?
Após a crise de 2008, o Brasil ficou com uma imagem muito fortalecida. O Brasil, como se manteve com a economia muito estável, sofreu pouco com o problema e entrou para o grupo dos BRICs, passou a ser muito respeitado, muito conhecido, muito procurado pelos empresários árabes e os árabes em geral.
O fato de haver muitos imigrantes árabes e seus descendentes no Brasil e de a Câmara Árabe ser liderada por pessoas da colônia fortalece as relações entre as duas regiões?
Ajuda, mas não é só que aproxima as duas regiões. É bom que quando vêm empresários árabes, eles comam a comida da Síria e do Líbano aqui, que é muito boa, sejam recebidos por descendentes de árabes. Quando nós vamos para lá também alguns membros da diretoria falam o árabe. O professor Helmi Nasr (vice-presidente de Relações Internacionais) é um erudito, o Sami Roumieh (diretor de Turismo) é nascido lá, fala bem o árabe. Então, isso é bom. Eu não falo árabe, mas mesmo assim levei missões empresariais para lá e fomos muito bem atendidos. Mas as relações com a região vão além disso (dos vínculos imigratórios).
As embaixadas têm papel importante no trabalho da Câmara Árabe?
Sim, o nosso trabalho tem o suporte das embaixadas e isso é muito importante, é fundamental. A gente tem nas embaixadas, por exemplo, apoio político e fornecimento de informações atualizadas. Apesar de também termos nossas fontes diretas, as embaixadas colaboram com orientações e informações. As embaixadas daqui e as de lá são parceiras nas ações da Câmara, estão sempre ajudando. Já naquela missão que realizamos para lá na minha primeira gestão, o suporte das embaixadas brasileiras foi maravilhoso. A gente ainda não tinha muito prestígio junto às câmaras de comércio locais e eram as embaixadas brasileiras que marcavam as reuniões para nós.
O senhor pode citar algum ou alguns marcos nestes anos de Câmara Árabe? A criação da ANBA (Agência de Notícias Brasil-Árabe), por exemplo, ou outros…
A criação da ANBA foi importante porque ela é uma agência noticiosa, traz informações sem a deformação das agências internacionais, traz informação pura, completa, séria. Outro momento importante foi a transformação de Câmara Sírio Brasileira em Câmara Árabe. Primeiro a entidade se chamava Câmara Sírio-Líbano Brasileira, mas depois houve a fundação da Câmara Líbano Brasileira e ficamos sendo Câmara Sírio Brasileira. Daí como os demais países árabes não tinham uma câmara que os representava e existia apenas uma Câmara do Iraque, a nossa Câmara incorporou a do Iraque e se tornou Câmara de Comércio Árabe Brasileira. Assim passou a representar também os demais países árabes. A evolução da Câmara tem sido contínua, não dá para dizer tal presidente foi o que alterou a Câmara Árabe, todas as diretorias foram excelentes, não houve nenhuma diretoria que se acomodou, todas foram eficientes.
Como o senhor vê o futuro das relações do Brasil com os países árabes?
É muito promissor. Há uma influência cultural árabe forte no Brasil, inclusive na língua portuguesa. Existem mais de mil vocábulos na nossa língua que são de origem árabe. E na cultura e costumes também. Vou te dar um exemplo: duas irmãs minhas foram à Suíça e na cidadezinha da Suíça tinha uma feira de rua sobre o Brasil. Havia uma baiana vestida a caráter servindo comidas do Brasil. Ela estava servindo quibe e esfiha. Minha irmã perguntou: “Isso é comida brasileira?” Ela falou: “É lógico.” Aqui se come esfiha e quibe em qualquer lugar, como se come pizza. A população brasileira, não necessariamente de origem árabe, costuma comer esse tipo de comida. Cada vez mais existe uma integração cultural do Brasil com os árabes e isso ajuda muito no comércio também. Inclusive estamos traduzindo livros de autores brasileiros para o árabe e de lá para cá também. Essa é uma das razões do crescimento sustentável da Câmara Árabe.
A Câmara Árabe, então, tem também o seu papel fora da área econômica?
Sim. A Câmara Árabe está participando de uma maneira mais discreta ainda, por exemplo, na área médica. Médicos do Hospital Sírio Libanês estavam fazendo um treinamento com os médicos da Síria, com o suporte da Câmara Árabe. Quando começou esse problema social lá na Síria, porém, foi interrompido.
Estes protestos e mudanças pelos quais alguns países árabes estão passando tiveram alguma repercussão no comércio?
É evidente que as economias destas nações estão passando por uma fase tumultuada, mas está havendo um comércio sim. O Egito, por exemplo, é uma nação muito grande, eles precisam importar. Qualquer que seja o regime que se instale nos países, eles vão continuar comprando do Brasil.
Nesses 60 anos a Câmara terá muitas ações comemorativas?
Teremos o lançamento do selo e do carimbo dos Correios (ocorreu na sexta-feira, 29 de junho). A Câmara está editando um livro relativo aos seus 60 anos de existência, uma pesquisa feita pela (historiadora) Silvia Antibas, consultando os livros de atas, as fotografias do arquivo, um trabalho grande, mas está ficando muito bom. Teremos eventos sociais, deve haver uma recepção formal comemorativa aos 60 anos da Câmara mais adiante. É importante comemorar, tornar este ano um marco. Quando a Câmara foi fundada o petróleo tinha preço baixo e o Brasil se limitava a exportar açúcar e café, exportava-se um pouco para a Síria e o Líbano só, agora o Brasil exporta tudo o que pode, de avião a automóveis. E importa essencialmente petróleo e fosfato. Temos que comemorar.
Tem algo que o senhor gostaria de ver acontecer nas relações do Brasil com os países árabes?
Meu sonho é que continue essa aproximação, o Brasil e os países árabes são duas forças econômicas e culturais importantes, que podem trabalhar juntas. O mundo árabe tem maioria muçulmana e o islamismo tem 1,3 bilhão de seguidores. Então, aproximando-se dos países árabes, nós vamos conseguir negócios também fora do mundo árabe, com Paquistão, Irã, Bangladesh, Indonésia, Malásia. Podemos expandir nossas exportações por meio dos países árabes.