Isaura Daniel
São Paulo – Na versão virtual da galeria de fotos Estreita, de Curitiba, um dos trabalhos apresentados tem o nome de Súra. A palavra quer dizer "fotografia" no idioma árabe. Ali se vê imagens de homens jogando baralho, comerciantes esperando clientes em frente às suas lojas, meninas com a cabeça coberta andando pelas ruas. A maioria das pessoas que aparece nas fotos tem cabelos pretos e olhos grandes. São árabes. E as fotos foram feitas por um brasileiro, o paranaense Felipe Prando, em uma viagem pela Síria, Egito e Líbano. O tour incluiu também a Jordânia, mas as fotos do país não integram a mostra. As imagens foram para o espaço virtual da galeria, depois de expostas, em 2005, na sede da Estreita.
Prando, que é formado em Direito, visitou os quatro países árabes entre o final de 2003 e início de 2004. Ficou na região por cerca de dois meses. Detalhe: viajou sem falar árabe, inglês ou francês, os idiomas mais comuns por lá. O fotógrafo define o trabalho Súra como o retrato da sua experiência – uma pessoa tentando se comunicar em terras estrangeiras. "Eu acordava, ia tomar chá, pegava uma rua e saía andando e fotografando", conta. Prando atua com fotografia documental contemporânea, linha que tem como objetivo transmitir a subjetividade do fotógrafo por meio das imagens. "É a minha experiência lá, não tenho a pretensão de dizer: o Oriente Médio é assim", explica.
Uma das principais conclusões da viagem: a população dos três países árabes é muito mais normal e comum do que se imagina no Ocidente. "Cheguei lá com trilhões de preconceitos sobre a realidade árabe. Levei seis dias para tirar a câmera da mochila achando que iam me prender", diz. Prando descobriu um mundo, segundo ele, bem diferente do estereótipo que há no Brasil sobre a região. "Entrei em uma agência bancária, na Síria, onde só tinha um homem trabalhando, as demais funcionárias eram todas mulheres. Encontrei muito mais mulheres andando nas ruas na Síria do que por aqui. De onde vem então essa história de que os homens árabes trancam suas mulheres em casa?", indaga o fotógrafo.
Prando afirma que percebeu sim diferenças culturais da região para o Ocidente, mas em pontos nos quais há diversidade, por exemplo, dentro do próprio Brasil, como modo de se vestir e alimentação. O paranaense ficou tão entusiasmado com a experiência que até o seu casamento, que ocorreu em fevereiro deste ano, teve festa árabe. "Morro de vontade de voltar para lá", afirma. Prando tem planos de fazer, porém, uma reedição do material da viagem, incluindo as fotos da Jordânia, pensando em uma futura publicação. A exposição feita por ele na galeria Estreita teve apoio do Consulado da Síria em Curitiba.
A vontade de viajar para o Oriente Médio surgiu exatamente a partir de conversas com o cônsul da Síria na capital do Paraná, Abdu Abagi. O fotógrafo dá aulas de Direito em universidades do Paraná e acabou se aproximando de um aluno seu, neto de sírios, que é sobrinho de Abagi. O estudante o levou até o tio, com o qual o fotógrafo teve uma longa conversa sobre o mundo árabe. Prando comprou, então, 40 rolos de filmes, colocou na mochila uma câmera bem simples, com a qual tinha feito, em 2003, um curso de fotografia documental no Núcleo de Estudos de Fotografia, de Curitiba, e viajou. A experiência acabou sendo também para Prando, até então apenas professor de Direito, a descoberta da fotografia.
A fotografia
A história de Prando com a fotografia começou, verdade, porque ele queria fazer estudos antropológicos sobre comunidades como as indígenas e os quilombos. O paranaense se deparou, porém, com pouco material sobre os grupos e achou que a fotografia poderia ser um instrumento de documentação. Depois de fazer o curso, porém, e da viagem ao mundo árabe, Prando acabou fazendo das fotos também o seu trabalho.
Atualmente o fotógrafo, que tem mestrado em Direito, leva adiante vários projetos na área. Entre os anos de 2005 e 2006 teve suas fotos expostas na mostra Cidades Visíveis, em cidades brasileiras e também no México, Chile e Argentina. Em todos os locais, exceto na Argentina, o trabalho, uma visão de diferentes fotógrafos sobre a cidade de Curitiba, foi mostrado por meio de audiovisual. O trabalho Súra vai ser publicado no próximo mês, também na revista digital de arte e literatura Lagioconda.
Felipe Prando
E-mail: felipe_prando@hotmail.com
Site: www.nucleofotografia.com.br