Doha – A rede de TV Al Jazeera é o produto mais conhecido do Catar e instrumento visível do país na estratégia de ampliar sua influência regional e internacional. O canal de notícias chamou a atenção do mundo na última década por sua ampla cobertura dos assuntos do Oriente Médio, especialmente dos conflitos, com enfoque diferente das emissoras ocidentais. Ela introduziu no noticiário internacional uma espécie de “outro lado” dos acontecimentos.
Hoje a rede tem canais de notícias em árabe e inglês, de esportes e outros serviços, como a produção de documentários. Os programas são transmitidos para os quatro cantos do mundo. Mas a TV, com sede em Doha, não pretende parar por aí. Em entrevista à ANBA, o diretor geral da Al Jazeera, Wadah Khanfar, disse que os investimentos na ampliação dos serviços vão continuar.
Ele disse, por exemplo, que a empresa vai lançar novos canais de notícias e esportes, aumentar sua presença em diferentes países, investir em novas mídias e produzir programas em outras línguas, além do árabe e do inglês. O executivo não quis, no entanto, adiantar quais serão os novos idiomas.
Khanfar destacou, porém, que a rede vai ampliar sua atuação na América no Sul e no Brasil. “Em 2010, veremos uma maior presença da Al Jazeera na América do Sul. Teremos mais correspondentes no Brasil e na Argentina para refletir a dinâmica política e econômica desses países”, afirmou.
Na seara esportiva, ele afirmou que o futebol brasileiro “é um grande produto” a ser explorado. O executivo acrescentou que a emissora está envolvida na produção de documentários no Brasil, especialmente sobre a presença árabe no país.
De acordo com Khanfar, o Brasil é visto no Catar, e no Oriente Médio em geral, como um sucesso econômico em ascensão no mundo “O país adota modelos econômicos e políticos que não são meras réplicas das políticas ocidentais”, afirmou. “O mundo árabe está interessado em se conectar com países emergentes que possam fornecer relações alternativas às das potenciais mundiais”, declarou.
Diplomacia
O país, em sua avaliação, atrai cada vez mais o interesse da opinião pública da região, principalmente após as duas cúpulas América do Sul-Países Árabes (Aspa), realizadas em Brasília e Doha. Ele ressaltou que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ganha respeito no Oriente Médio por causa de suas declarações e ações no cenário internacional.
Khanfar deu especial ênfase ao acordo assinado pelo Irã sobre seu programa nuclear, que foi negociado por Brasil e Turquia. Lula foi a Teerã discutir o acordo logo após uma visita oficial ao Catar, há menos de duas semanas.
“[O acordo] foi descrito [por aqui] como um grande golpe diplomático”, destacou o executivo, acrescentando que o clima antes era de “clara confrontação” por causa da ameaça de imposição de mais sanções econômicas ao Irã pela ONU. “Mas agora há um novo humor político na região, foi um sucesso político do Brasil e da Turquia.”
Embora as potências ocidentais, em especial os Estados Unidos, tenham reagido com ceticismo e continuem a acenar com a possibilidade de sanções, para Khanfar o acordo tornou mais difícil sua aprovação no Conselho de Segurança da ONU.
“O humor na região em relação à América Latina está melhor do que nunca, sentimos maior proximidade do que com os EUA e a Europa, especialmente em temas como a Palestina e outros”, declarou Khanfar, que é palestino de Jenin, na Cisjordânia.
Além do diálogo com o Irã, o Brasil busca maior participação nas negociações de paz entre israelenses e palestinos. Com esse objetivo, Lula visitou Israel, Cisjordânia e Jordânia em março. O executivo da Al Jazeera disse que teve um “feedback positivo” da viagem. “O maioria das iniciativas vindas dos Estados Unidos e de outras potências ocidentais é recebida com ceticismo no mundo árabe”, disse. “A região está mais receptiva às iniciativas de países como Brasil, África do Sul, entre outros”, acrescentou.
Na seara diplomática, o governo do Catar procura também ter maior atuação e já obteve resultados concretos, como a negociação que pôs fim à crise política de 2008 no Líbano, que quase levou o pequeno país do Mediterrâneo a uma nova guerra civil. O Catar patrocina ainda negociações entre o governo sudanês e os rebeldes da região de Darfur, no país africano.
“O Catar está se tornando um grande mediador na região. Está tendo sucesso porque mantém uma distância balanceada de todas as partes”, afirmou Khanfar. “O país fornece segurança para quem quer vir negociar porque não tem interesses particulares nos temas [em conflito]”, declarou.
Para o executivo, há um “vácuo estratégico” no Oriente Médio pois as potências regionais mais tradicionais estão paralisadas. Essa situação, segundo ele, abriu caminho para novas lideranças, como a Turquia, o Catar e o próprio Irã.