Doha – Além da busca pela diversificação econômica, o Catar investe para desenvolver outras áreas, como a cultura. No centro dessa iniciativa está a Cultural Village, empreendimento estatal de US$ 1 bilhão que tem como objetivos incentivar a produção cultural e transformar o país em um pólo regional do setor. No comando dessa missão está o brasileiro Márcio Barbosa, ex-diretor da Unesco e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
De acordo com ele, o projeto pretende auxiliar na preservação dos valores históricos do país, ao mesmo tempo em que oferece “oportunidades culturais” atuais na música, artes plásticas, teatro e cinema. “É um espaço para oferecer os dois lados, [o novo e o antigo]”, afirmou.
As instalações, localizadas em Doha, capital do país, estão praticamente prontas. Elas reproduzem o ambiente de uma vila árabe tradicional e contam com teatros, salas de exposições, cinema, um enorme anfiteatro ao ar livre e espaços para atividades diversas, inclusive comerciais, como restaurantes e lojas.
“É um projeto monumental, mas não somente para o Catar, a ideia é que o espaço seja compartilhado com a população da região”, declarou Barbosa, que mora há dois meses em Doha. Ele está formando sua equipe e pretende começar a promover atrações para o público a partir de setembro.
Já durante o Ramadã, mês no qual os muçulmanos ficam em jejum durante o dia, Barbosa quer ter atividades para atrair a população após o por do sol e começar a fixar a vocação da vila como local de lazer. Em 2010, Doha foi escolhida como a Capital da Cultura Árabe pela Liga dos Estados Árabes.
Será realizado lá, em outubro, o Doha Tribeca Film Festival, promovido pelo Doha Film Institute em parceria com os organizadores do Tribeca Film Festival, de Nova York. Barbosa pretende também realizar uma exposição do fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado e negocia apresentações musicais.
Ele quer iniciar 2011 com um calendário para os diferentes espaços. Mas a intenção não é transformar o local em uma “casa de espetáculos”, nem em uma empresa para “ganhar dinheiro”. Para Barbosa, é preciso selecionar a programação com cuidado para equilibrar o tradicional com o novo e não apenas reproduzir o que já é feito em outros países da região.
Nesse sentido, ele disse que o governo terá que alocar ainda um bom volume de recursos para viabilizar a Cultural Village como pólo regional. Uma das fontes de recursos são as áreas nos arredores a vila, loteadas para empreendimentos residenciais e comerciais.
Indústria
O investimento é necessário também para tornar o local um espaço de “pesquisa”. Barbosa ressaltou que, nessa seara, a cooperação internacional é fundamental. “Para ver o que está acontecendo no mundo é necessária essa cooperação”, declarou.
A vila segue o modelo de outras iniciativas do Catar, como, por exemplo, nas áreas de educação e ciência e tecnologia, onde foram formadas parcerias com instituições internacionais para a abertura de filiais locais.
Um dos maiores desafios do projeto é fomentar a criação de uma “indústria cultural”, conceito pouco difundido no país. Para tanto, a Cultural Village pretende ser também um local de produção. O Doha Film Institute, por exemplo, tem o objetivo de formar cineastas e atores.
De acordo com Barbosa, as atividades culturais são vistas como complementares, hobbies ou algo a ser sustentado pelo governo, não como opção de profissão. “É preciso mostrar que existem vocações que deveriam ter vazão”, declarou. Ele acrescentou o Catar ainda não tem uma política cultural estruturada e que é preciso mostrar que a cultura pode ser também um negócio.
Diálogo
Barbosa foi convidado para o trabalho pela incentivadora do projeto, Mozah Bint Nasser Al Missned, mulher do emir do Catar, Hamad Bin Khalifa Al Thani. Ele a conheceu durante os 10 anos que atuou na Unesco. Mozah é bastante engajada em ações humanitárias, educação, fortalecimento da mulher e no Fórum da Aliança das Civilizações, organizado pela agência da ONU.
A terceira edição do fórum vai ocorre esta semana, no Rio de Janeiro, e, em 2011, ele será realizado na Cultural Village, em Doha, que deve passar a sediar uma secretaria do movimento. A iniciativa lançada pelos governos da Espanha e Turquia, encampada pela Unesco, segundo Barbosa, tem na cultura um de seus pilares.