Alexandre Rocha
São Paulo – A participação do capital estrangeiro na indústria brasileira de etanol deverá chegar a 50% em 10 anos ou em até menos tempo. A previsão é do presidente do Comitê de Agroenergia e Biocombustíveis da Sociedade Rural Brasileira (SRB), Maurílio Biagi Filho, em face do esperado boom do mercado mundial de álcool combustível. "Isto está no limiar de acontecer", disse Biagi à ANBA.
Ele acrescenta, no entanto, que a queda das barreiras tarifárias impostas pelo Estados Unidos à importação de etanol brasileiro é essencial para que esta participação do capital estrangeiro venha se confirmar. O setor de açúcar e álcool movimenta R$ 40 bilhões por ano no Brasil e gera 1 milhão de empregos diretos, de acordo com o Ministério da Agricultura.
Em 2006, segundo Biagi, a participação estrangeira no setor foi de 3,4% e deve chegar a 6% este ano. Além do mercado interno, onde 80% dos carros novos vendidos já são bicombustível – ou seja, funcionam tanto com álcool, como gasolina e com qualquer mistura dos dois -, os investidores estão de olho na demanda internacional impulsionada pelos altos preços do petróleo e pela preocupação com a redução das emissões de gases poluentes. "O estrangeiro só investe na medida em que percebe uma tendência internacional em relação ao etanol", disse.
E para que este mercado se consolide é preciso que o álcool se transforme realmente numa commodity, com produção em grande escala não só no Brasil e nos Estados Unidos, que são os dois maiores produtores mundiais, mas em diversos países, como ocorre com a soja, o açúcar e o café. "Isto abre oportunidades para parcerias na área, para que outros países possam exportar. Os Estados Unidos não são nossos rivais, pois o Brasil não tem interesse em ser o único produtor, tem interesse sim que existam outros players para que o etanol possa se tornar uma grande commodity", disse o coordenador-geral de açúcar e Álcool do Ministério da Agricultura, Alexandre Strapasson.
O tema deverá dominar a visita que o presidente norte-americano, George W. Bush, fará ao Brasil no próximo dia 09. Bush recentemente virou um grande entusiasta da agroenergia, o que jogou mais holofotes no setor. Além do debate sobre uma parceria continental na área, que envolveria o incentivo à produção em outros países americanos, os empresários brasileiros esperam que sejam discutidas as taxas cobradas pelos EUA sobre o etanol brasileiro.
Apesar de serem os maiores produtores de etanol, os Estados Unidos precisam importar para abastecer seu mercado interno. Dos 3,4 bilhões de litros exportados pelo Brasil no ano passado, 1,7 bilhão foram diretamente para os EUA pagando uma taxa de 2,5% mais US$ 0,54 por galão (que equivale a 3,785 litros). Mesmo assim, de acordo com Strapasson, o álcool brasileiro chegou ao mercado norte-americano por US$ 1,75 o galão, mais barato do que os US$ 1,90 do etanol local, produzido a partir do milho e "fortemente subsidiado". No Brasil, a matéria-prima do combustível é a cana-de-açúcar.
Capital de fora
Mesmo antes da anunciada transformação do etanol em uma grande commodity, o setor sucroalcooleiro tem atraído o interesse de investidores estrangeiros, não só por causa do combustível, mas também pelo mercado internacional de açúcar, que está bastante aquecido. O próprio Biagi vendeu no ano passado o controle acionário da usina Cevisa, no interior de São Paulo, para a multinacional Cargill.
Outra que anunciou investimentos recentes foi a francesa Louis Dreyfus, que comprou quatro usinas e uma destilaria do grupo pernambucano Tavares de Melo, sendo que uma delas, a Usina Esmeralda, no Mato Grosso do Sul, está em construção. A empresa já tinha três usinas, duas no interior de São Paulo e uma em Minas Gerais.
Mais um exemplo é o da Açúcar Guarani, que hoje pertence ao grupo francês Tereos. A empresa tem três usinas em operação e mais uma em construção, todas no interior de São Paulo.
No que diz respeito aos novos investimentos, segundo informações do governo de Tocantins, um consórcio formado pela norte-americana Sempra Energy, gigante do setor de gás natural, a alemã Man Ferrostaal e uma holding brasileira chamada Etanalc, anunciou a intenção de investir US$ 4,2 bilhões na construção de 12 destilarias de álcool no estado.
Numa segunda fase, está prevista a instalação de outras 12 usinas, provavelmente no Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Maranhão, elevando o investimento para US$ 8,4 bilhões. Quando todas as plantas estiverem em funcionamento, a previsão, de acordo com o governo do Tocantins, é de uma produção de 5,7 bilhões de litros de etanol.
Aditivo
Além do Brasil, o álcool é utilizado como carburante na gasolina nos Estados Unidos, na Colômbia e em algumas nações européias. O Japão já aprovou o uso da mistura, a China está realizando testes e toda a União Européia deverá adotá-la no futuro próximo. A tendência é que cada vez mais países façam o mesmo. "O etanol é o melhor oxigenante para a gasolina, polui menos e ainda melhora a octanagem (a qualidade)", disse Biagi.
No Brasil mistura-se 23% de álcool à gasolina, nos Estados Unidos a quantidade varia de estado para estado e Biagi acredita que em outros países ela pode chegar a 7%. Ele ressalta, porém, que se a média mundial de utilização do álcool como carburante chegar a 10% será necessária uma produção anual de 150 bilhões de litros, três vezes mais do que o mundo produz hoje. É um número possível de se atingir, mas não da noite para o dia.
O Brasil, no entanto, está se preparando. De acordo com Alexandre Strapasson, do Ministério da Agricultura, 77 novas usinas devem estar prontas para operar até 2010. Segundo Biagi, em cinco anos serão 100 novas plantas. Elas serão adicionadas às 360 já existentes, a maioria capaz de produzir tanto açúcar como álcool.
Para Strapasson a previsão sobre novas usinas é até conservadora, na medida em que o setor sucroalcooleiro do Brasil tem crescido acima de 10% ao ano desde 2001. Ele acredita que o crescimento do setor deverá continuar nos mesmos patamares nos próximos anos.
Além disso, a área plantada com cana-de-açúcar deverá saltar dos atuais 7 milhões de hectares para 10 milhões até 2013. Hoje o Brasil produz 425 milhões de toneladas de cana, que resultam em 29,5 milhões de toneladas de açúcar e 17,25 bilhões de litros de álcool. Ao mesmo tempo a produção, hoje muito concentrada no estado de São Paulo, deverá se espalhar por outros estados, como Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Goiás, Tocantins, Piauí, Maranhão e Bahia.
Diferencial
A quantidade de áreas ainda disponíveis no Brasil é um grande diferencial em relação aos outros grandes países agrícolas. Nos Estados Unidos, por exemplo, a área destinada ao milho deverá crescer para atender à demanda por etanol, tirando espaço da soja. Neste sentido abrem-se novas oportunidades também para os sojicultores brasileiros no mercado internacional.
Outros diferenciais são as condições climáticas do país, tropical em quase toda a sua extensão, o que favorece a atividade agrícola, além da experiência de 30 anos na produção de etanol em larga escala. "Hoje o mercado brasileiro está maduro, se profissionalizou muito, as empresas estão abrindo seu capital e obtendo certificados ambientais", disse Strapasson.
Biagi alerta, porém, que o etanol não vai substituir o petróleo. O único país que usa o álcool como combustível em larga escala, além da mistura na gasolina, é o Brasil, e assim deve permanecer. "Fora do Brasil o álcool sempre será um aditivo e, ao adotá-lo como tal, os países estarão prolongando a vida das reservas de petróleo", afirmou.