Alexandre Rocha
alexandre.rocha@anba.com.br
São Paulo – Enquanto o Brasil sofre com deficiências em sua infra-estrutura aeroportuária, no mundo o ramo de administração de aeroportos tem despertado cada vez mais o interesse de investidores. Instalações de maior ou menor porte, tanto em países desenvolvidos como em desenvolvimento, têm atraído capitais até de outros setores em busca de lucros com o crescimento global do transporte aéreo.
Um exemplo recente é o da Dubai Aerospace Enterprise (DAE), companhia dos Emirados Árabes Unidos, que negocia a aquisição de 51% a 60% das ações da Auckland International Aiport Limited (AIAL), operadora do Aeroporto de Auckland, na Nova Zelândia, por US$ 2 bilhões. A diretoria da AIAL já aprovou a proposta e ela será submetida aos acionistas da empresa em novembro.
A DAE foi fundada no ano passado e é controlada por outras empresas estatais de Dubai que atuam em diferentes ramos, como a Emaar e a Istithmar, da área imobiliária, a Amlak Finance, do setor financeiro, e o próprio governo do emirado. Seu objetivo é buscar oportunidades de investimentos no setor aéreo ao redor do mundo. Na semana passada, por exemplo, ela concluiu a compra de duas empresas norte-americanas de manutenção de aeronaves, a Standard Aero e a Landmark Aviation, por US$ 1,9 bilhão.
Mas não é preciso procurar na Nova Zelândia ou nos Estados Unidos para achar exemplos como estes. Eles existem também na nossa vizinhança. Na semana passada também a Fraport, empresa que administra o Aeroporto de Frankfurt, um dos mais movimentados do mundo, anunciou a aquisição de 100% das ações do Aeroporto Internacional de Lima, no Peru. Desde 2001 a Fraport tinha 42,75% das ações e liderava o consórcio que ganhou a concessão do aeroporto por 30 anos.
Segundo a companhia, o número de passageiros em Lima saltou de 4 milhões em 2001 para 6 milhões no ano passado, sendo que foram investidos 150 milhões de euros no aeroporto desde o início da concessão. Em 2006, o consórcio teve um faturamento de 80 milhões de euros. Além de Frankfurt e Lima, a Fraport atua em diversos outros aeroportos pelo mundo, como o do Cairo, o Indira Ghandi, na Índia, e o de Dacar, no Senegal.
Outro exemplo na vizinhança é o do Aeroporto Internacional de Santiago, no Chile, operado desde 1998 por um consórcio do qual faz parte a Vancouver Airport Services (YVRAS), subsidiária da Autoridade do Aeroporto Internacional de Vancouver, no Canadá. Desde o início da concessão, segundo a empresa, foram investidos US$ 220 milhões pelo consórcio no aeroporto chileno.
Mas o que levou uma organização como esta a buscar a internacionalização? Quem responde é o diretor-sênior de projetos, responsável pelo desenvolvimento de negócios da YVRAS, Brian Bohme. "Começamos em 1993. Vimos que apenas 1% dos aeroportos estavam nas mãos da iniciativa privada e percebemos que este seria um grande mercado para a nossa expertise, uma oportunidade de levar para outros lugares as boas práticas adotadas no Aeroporto de Vancouver", disse Bohme à ANBA.
A primeira experiência da YVRAS fora do Canadá foi nas Bermudas. Hoje a empresa tem participação em 18 aeroportos na República Dominicana, no Chipre, Bahamas, Jamaica, ilhas caribenhas de Turks e Caicos, além do Chile e Canadá. De acordo com Bohme, o negócio é lucrativo, tanto que, segundo ele, a companhia permaneceu rentável mesmo durante turbulências internacionais, como a crise aérea desencadeada após os atentados de 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos. Isto explica em parte o interesse crescente de empresas internacionais no negócio de aeroportos.
Outro exemplo é do Macquarie Airports (MAp), administrada pelo banco australiano Macquarie. O grupo hoje tem participações majoritárias nos aeroportos de Sydney, Copenhague, na Dinamarca, Bruxelas, na Bélgica, e Bristol, no Reino Unido. Segundo a assessoria de imprensa da companhia, a MAp foi listada na Bolsa de Valores da Austrália em 2002 com um valor de mercado de 1 bilhão de dólares australianos (US$ 856 bilhões pelo câmbio atual), sendo que o montante atualmente está em 7 bilhões de dólares australianos (US$ 6 bilhões).
Mais um grande operador internacional é a inglesa BAA, controlada pelo grupo espanhol Ferrovial. A empresa opera sete aeroportos na Inglaterra, entre eles o de Heathrow, em Londres, que é o terceiro mais movimentado do mundo em transporte de passageiros, além de instalações nos Estados Unidos, Austrália e Canadá.
Brasil, um mercado atrativo
Companhias como estas, que têm grande capital próprio e capacidade de atrair parceiros de peso, têm interesse declarado de continuar a procurar oportunidades de investimentos ao redor do mundo e, segundo especialistas consultados pela ANBA, o Brasil é um mercado com grande potencial.
Basta ver os números. Na América Latina, o Brasil tem o maior tráfego aéreo, seguido de longe por países como México, Colômbia, Argentina e Porto Rico, de acordo com informações do Aiport Council International (AIC), associação internacional de aeroportos. Segundo a Empresa Brasileira de Infra-Estrutura Aeroportuária (Infraero), 102 milhões de passageiros embarcaram e desembarcaram nos aeroportos que administra em 2006, um crescimento de 6,3% em comparação com 2005.
Só para se ter uma idéia, o crescimento foi maior do que a média mundial. De acordo com o AIC, ocorreram 4,4 bilhões de embarques e desembarques no mundo em 2006, um aumento de 4,8% sobre 2005. Um fato que foi comemorado.
No primeiro semestre deste ano, o número de passageiros no Brasil foi de mais de 55 milhões, 8,6% a mais do que no mesmo período do ano passado. O desempenho positivo do setor aéreo brasileiro ocorreu apesar da crise aérea que se instalou após o acidente com o Boeing 737 da Gol Linha Aéreas, que caiu no Mato Grosso em setembro do ano passado e que resultou em 154 vítimas fatais. Além da perda de vidas, de valor incalculável, grandes atrasos e cancelamentos de vôos se tornaram uma constante desde então.
Uma das constatações nesse período foi a necessidade do país ampliar sua infra-estrutura aeroportuária e modernizar a gestão do setor. Mas se o Brasil tem um mercado tão convidativo, porque as empresas internacionais não estão investindo aqui? Para especialistas ouvidos pela ANBA, o problema está no modelo adotado no país, que concentra a administração dos principais aeroportos por uma única empresa estatal.
A Infraero opera 67 aeroportos, por onde passa a maioria esmagadora do tráfego de passageiros e cargas aéreas. "O modelo atual é totalmente refratário ao investimento privado, seja ele estrangeiro ou nacional", disse o professor de transporte aéreo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Respício Antônio do Espírito Santo, que também é presidente do Instituto Brasileiro de Estudos Estratégicos e de Políticas Públicas em Transporte Aéreo (Cepta).
Segundo ele e outros especialistas, o modelo nacional acarreta em dois principais problemas: em primeiro lugar, como a administração é unificada, a receita obtida em um aeroporto não é obrigatoriamente investida no próprio, pode ser aplicada em outras instalações, até em outro estado; além disso, não há competição entre os diferentes aeroportos, pois as tarifas praticadas são as mesmas em cada categoria, o que faz com que as companhias aéreas busquem sempre os pólos mais movimentados.
Na avaliação de Santo, a administração aeroportuária no Brasil precisa ser descentralizada, o que não implica obrigatoriamente em privatização, pois as operações podem ser cedidas para estados, municípios e outros órgãos públicos. Para ele, é preciso garantir que a verba obtida nas operações seja aplicada no próprio aeroporto e que haja competição entre as instalações, com a liberação das tarifas, criando uma maior capilaridade na malha aérea.
"Por que um turista que vem da Colômbia, por exemplo, precisa fazer escala em São Paulo para ir a Belém do Pará? Se as taxas fossem competitivas, a companhia aérea internacional poderia se interessar por voar diretamente para Belém", afirmou. Além disso, a cessão das operações para terceiros resultaria em novos investimentos. "O vencedor de uma licitação tem estímulo para investir", acrescentou Santo.
Citando outros países latino-americanos que privatizaram o setor, como Colômbia, Equador, Peru e México, Brian Bohme, da canadense YVRAS, acrescenta que a terceirização abre o acesso dos governos para novas fontes de capital, reduzindo gastos públicos, e atraindo parceiros que podem melhorar a gestão do negócio. "Existem muitas oportunidade neste mercado hoje, novos players, como fundos de construção e bancos. Dinheiro novo que vem de outros setores", afirmou Bohme.
Sem impedimento legal
A princípio não há impedimento legal para a entrada de investimentos privados, sejam eles nacionais ou estrangeiros, neste setor, embora a atividade seja de competência da União. Existe até uma resolução do Conselho Nacional de Aviação Civil (Conac), de outubro de 2003, que fala sobre o Plano Aeroviário Nacional e diz que as autoridades devem buscar maneiras de estimular o investimento privado no setor.
"O transporte aéreo no Brasil é de competência privativa da União, mas pode haver concessão para a iniciativa privada", disse o advogado Carlos Paiva, especialista no setor e que tem em sua carteira de clientes atendidos empresas do porte da Emirates Airline, Qatar Airways e Saudi Arabian Airlines. Isto vale não só para novos aeroportos, mas também para instalações já existentes, mesmo que estejam sob administração da Infraero.
"Em aeroportos com demanda é perfeitamente viável a participação privada. Não há impedimento, desde que isso seja feito ao brigo da lei. Existe uma mística no Brasil de que aeroporto é só com a Infraero", disse o engenheiro e economista Adyr da Silva, ex-presidente da Infraero e professor da Universidade de Brasília (UnB). Ele mesmo disse que tem em seu escritório 10 projetos aeroportuários que prevêem participação privada. "Só falta aparecerem investidores", declarou.
De fato, existem aeroportos no Brasil administrados por governos estaduais, municípios e até empresas privadas (ver link abaixo), mas eles representam pouco no total do tráfego aéreo nacional. "Não há impedimento para o investimento privado, mas também não há vontade política para tanto", disse Respício do Espírito Santo. Na prática, o controle da Infraero sobre os principais aeroportos do país representa um monopólio.
Após o acidente em julho com o Airbus A-320 da TAM no Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, que matou 199 pessoas, a crise aérea recrudesceu e o governo anunciou uma série de intenções para tentar dinamizar o setor, como a abertura de capital de Infraero e uma maior participação do capital privado por meio de parcerias público-privadas (PPPs). Desde o início da semana passada, a ANBA fez contato com as assessorias de imprensa do Ministério da Defesa, da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e da Infraero em busca de algum esboço de projetos neste sentido, mas até ontem (06) à noite não obteve resposta.