São Paulo – Os governos dos países árabes, como os da maioria dos países emergentes, começaram o ano com uma missão complicada: combater a inflação. Assim como no Brasil os índices de preços vêm inchando e ameaçando a estabilidade da economia, também no Oriente Médio e Norte da África eles são preocupação e, inclusive, fazem parte da cesta de motivos para descontentamento e protestos populares.
O professor de Finanças da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) e consultor da Méthode Consultoria Empresarial, Adriano Gomes, cita o empobrecimento da população e a alta dos preços dos alimentos como fatores que, junto com vetores políticos, impulsionaram as últimas manifestações no Egito.
O Índice de Preços ao Consumidor avançou 1,02% em janeiro sobre dezembro no mercado egípcio e ficou com taxa anual de 10,79% contra 10,28% em dezembro, segundo informações divulgadas pelo Banco Central do país. Segundo dados da Central Intelligence Agency (CIA), a inflação variou, no ano passado, no mundo árabe, de 1,1% no Catar a 12,8% no Egito.
O movimento mundial inflacionário, porém, começou mesmo a ser sentido agora pelos países, diz o doutor em Desenvolvimento Econômico pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e professor de pós-graduação em Finanças do Instituto Brasileiro de Pós-Graduação e Extensão (IBPEX) do grupo Uninter, Luciano D’Agostini.
Alguns países árabes, principalmente os que têm renda do petróleo, subsidiam os preços dos alimentos, lembra o secretário-geral da Câmara de Comércio Árabe Brasileira, Michel Alaby, o que ajuda a combater a inflação. “Alguns governos compram alimentos no mercado internacional e os vendem mais baratos para a população. Parte da inflação dos alimentos, então, o governo absorve”, confirma e explica D’Agostini.
Comida cara
A alta do preço das commodities, incluindo alimentos, é um dos panos de fundo da inflação mundial. Segundo Gomes, as cotações dos alimentos subiram por fatores como a demanda aquecida em países emergentes – especialmente China – impulsionada por aumento de poder de compra e o clima. Vários países produtores agrícolas, entre eles Brasil, Uruguai e Argentina, tiveram problemas de safra no ano passado. “As principais commodities já chegaram aos níveis de 2008”, diz Gomes, sobre os preços.
Também o dólar desvalorizado, decorrência da economia norte-americana enfraquecida, faz os investidores correrem para títulos lastreados em commodities, inflacionando assim os seus preços no mercado futuro.
No começo de todo o problema, no entanto, está a política monetária dos Estados Unidos, lembra D’Agostini. Para tentar se recuperar da crise, os Estados Unidos baixaram suas taxas de juros para 0,25% ao ano. Com isso, os investidores correram para países com taxas mais atrativos e nível de risco aceitável, especialmente os emergentes. O crédito farto, então, acabou favorecendo a inflação. O doutor da UFPR lembra que nunca na história os países emergentes viveram essa “economia de crédito”.
Quem sofre
Sofrem mais neste cenário, segundo D’Agostini, os países que não têm um sistema político monetário eficiente, que têm instabilidade política (já que isto não favorece boas medidas monetárias) e com ausência de programas de governo voltados para esta situação. O consultor lembra, no entanto, que o que se vê atualmente mundo afora são economias com inflação e não hiperinflação, fenômeno no qual o estado da economia já está caótico e há um empobrecimento da população pelo aumento dos preços.
No Brasil, lembra D’Agostini, existe probabilidade maior do que em outros países de combate à inflação, já que o governo ainda tem vários recursos para usar no curto prazo, como aumento da taxa de juros, dos depósitos compulsórios e a reforma fiscal. Uma saída mundial seria o aumento da taxa de juros dos Estados Unidos, o que não deve ocorrer em breve.