Alexandre Rocha
São Paulo – Com o fim dos subsídios concedidos pela União Européia aos seus produtores, o Brasil poderá exportar pelo menos 1,5 milhão de toneladas de açúcar a mais por ano e faturar anualmente cerca de US$ 400 milhões adicionais. Essa é a avaliação da União da Agroindústria Canavieira de São Paulo (Unica), entidade que representa o setor no estado que, por sua vez, responde por 60% da produção da commodity no país.
O Brasil, a Austrália e a Tailândia obtiveram, nesta terça-feira (03), um parecer preliminar favorável da OMC contra os subsídios europeus que, segundo especialistas consultados pela ANBA, deverá ser confirmado em segunda instância, após os recursos a que o bloco tem direito.
De acordo com Elisabete Serodio, consultora da Unica, pelos compromissos assumidos pela UE junto à OMC, o bloco só poderia exportar 1.273.500 toneladas do produto subsidiado com um faturamento máximo de 499,1 milhões de euros. Ocorre que, segundo ela, a previsão dos europeus é de exportar 5,2 milhões de toneladas este ano. O Brasil, a Tailândia e a Austrália acusam os europeus de subsidiar o total de suas exportações.
Isso significa que, com o fim dos subsídios, haverá uma redução de oferta do produto no mercado internacional da ordem de 4 milhões de toneladas, que é a diferença do que pode ser subsidiado e o que é efetivamente exportado pela UE. O Brasil, como maior produtor e exportador mundial, deverá suprir boa parte da demanda.
"Com a medida a União Européia perde tudo", disse Elisabete. Isso porque, sem os subsídios, o custo de produção na Europa torna o negócio da exportação do açúcar comercialmente inviável.
Segundo informações da Unica, o custo de produção no continente europeu gira em torno de US$ 700 por tonelada. Já no Brasil ele varia entre US$ 90 e US$ 150 por tonelada, dependendo da região produtora, e o preço da tonelada do produto no mercado internacional está em US$ 260.
"Pelo preço internacional, não tem como a União Européia participar do mercado se não for com os subsídios", disse José Ricardo Severo, assessor técnico da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).
Ele acrescentou que existem fatores na produção do Brasil com os quais os europeus não conseguem competir, como uso do bagaço da cana-de-açúcar como combustível para as caldeiras e até para a geração de eletricidade nas usinas. Na Europa, a matéria-prima para o açúcar é a beterraba, que não produz "matéria seca", o que obriga os produtores locais a utilizarem óleo diesel como fonte de energia e aumenta em muito os custos. "O aproveitamento da matéria-prima no Brasil é muito grande", afirmou.
Mercado árabe
Em termos de destinos, o Brasil deverá aumentar sua participação em mercados que já atua, principalmente os do norte da África e do Oriente Médio, na avaliação de Elisabete. Já a demanda dos países da Ásia deve ser suprida pela Austrália e pela Tailândia.
"Os grandes compradores da UE são também importadores do Brasil, como os Emirados Árabes Unidos, a Argélia e o Egito. Não acredito que apareçam novos mercados, mas que ocorra um aumento das vendas do Brasil para lugares que ele já fornece", disse ela.
Da mesma opinião partilha o secretário-geral da Câmara de Comércio Árabe Brasileira (CCAB), Michel Alaby. De acordo com ele, a Argélia, por exemplo, consome cerca de 1 milhão de toneladas de açúcar por ano, sendo um terço importado do Brasil e dois terços de países europeus.
"A decisão da OMC vai abrir portas para o Brasil, principalmente na própria Europa e nos países que compram dos europeus, como os países árabes", disse Alaby. Além da Argélia, Egito e Emirados, ele acredita que as vendas devem aumentar também para a Tunísia, Marrocos, Arábia Saudita, Kuwait e Síria.
Mas o diretor da CCAB lembrou que a decisão não terá feito imediato, pois a UE tem um prazo de 20 a 160 dias para recorrer. Além disso é preciso considerar a questão dos estoques existentes nos países importadores. Para José Ricardo Severo, da CNA, os efeitos da medida só deverão ser sentidos no prazo de um a dois anos. Elisabete ressaltou, porém, que o Brasil tem plenas condições de dar uma resposta rápida para o aumento da demanda.
Além do crescimento dos embarques brasileiros, a eventual saída da União Européia do rol dos grandes exportadores mundiais deverá resultar em um aumento dos preços da commodity no mercado internacional. Nesse ponto os especialistas também foram unânimes.
"Com uma produção mundial menor o preço sobe. É só ver o exemplo algodão, as estimativas apontam um aumento de 12% no preço", disse Alaby. No primeiro semestre a OMC também deu ganho de causa ao Brasil contra os subsídios pelos Estados Unidos aos seus produtores de algodão.
Elisabete acrescentou que o Brasil deverá exportar mais açúcar refinado, que é o principal tipo comercializado pela UE, produto que tem maior valor agregado do que o açúcar em bruto. Este último responde hoje pela maior parte das vendas externas brasileiras.
Setor sucroalcooleiro
Não é possível desprezar os efeitos que a decisão da OMC no caso do açúcar poderá ter na economia brasileira, já que o setor sucroalcooleiro gera cerca de um milhão de empregos diretos no país inteiro e movimenta cerca de R$ 25 bilhões por ano.
Na última safra, o Brasil produziu 23,4 milhões de toneladas de açúcar e exportou 12,9 milhões de toneladas em 2003, o que rendeu US$ 2,1 bilhão em receitas cambiais. Para este ano, a previsão é de que 14 milhões de toneladas sejam embarcadas.
No caso do álcool, foram produzidos mais de 14 bilhões de litros na última safra e 757 milhões de litros foram exportados em 2003 a US$ 157,9 milhões. Para este ano, são esperados embarques de 1,5 bilhão de litros. No primeiro semestre foram exportados cerca de 900 milhões de litros, contra 246 milhões no mesmo período do ano passado.
Além do aumento da demanda por álcool no mercado interno, com o lançamento dos carros "flex fuel" – que utilizam tanto gasolina, como o derivado da cana-de-açúcar como combustível -, Severo disse que o setor nutre expectativas de grandes aumentos nas exportações para uma série de países que começam a adotar o álcool anidro como "oxigenante" na mistura com a gasolina em substituição ao MTBE (metil-tércio-butil-éter), com vistas a diminuir os níveis de poluição.
De acordo com ele, já surpreendeu o crescimento das vendas para a Flórida, nos Estados Unidos, para o Japão, Coréia e Índia. Não só do álcool anidro, mas também do álcool para uso industrial.